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Em Brasilândia, área de SP mais afetada pela covid-19, isolamento é luxo


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SÃO PAULO — Por volta das 14h da última quarta-feira, um jovem de cerca de 20 anos, com a máscara pendurada no pescoço, chegou ao posto de saúde Vila Galvão, no distrito de Brasilândia, em São Paulo, com falta de ar. Um clima de apreensão se instalou entre funcionários e demais pacientes que aguardavam atendimento. Conduzido para fora do prédio, ele passou pela triagem de um enfermeiro com jaleco, máscara e protetor facial. A ordem na parte interna era evitar aglomeração e aproximação de casos suspeitos. Nos últimos tempos, o posto do bairro da periferia tem realizado até 200 atendimentos por dia — praticamente todos de covid-19.

O curioso é que as filas na porta, tão comuns no período pré-pandemia, desapareceram. Motivo: pacientes de outras doenças evitam pisar ali por medo de contágio. O temor dos funcionários é de o sistema entrar em colapso com o avanço do novo coronavírus nas redondezas.

Localizada no extremo norte da cidade de São Paulo, Brasilândia é o sétimo distrito mais populoso entre os 96 da capital. Seus 264.918 habitantes, no entanto, são submetidos a rankings bem mais amargos. Segundo o Mapa de Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, é a região paulistana com a segunda maior proporção de residências em favelas (29,6%) e o quinto pior índice de emprego formal: 4,7% dos moradores economicamente ativos. Recentemente, Brasilândia também passou a liderar uma tabela ainda menos honrosa: é o distrito da cidade com mais mortes por coronavírus — 81 entre confirmadas e suspeitas.

Ao contrário de bairros mais ricos da região central, não há sinal de isolamento social. Boa parte do comércio de rua segue aberto e com filas na parte externa. Na última quarta-feira, uma feira livre reunia mais de 50 barracas na Rua Spencer Vampré, no miolo do distrito. Entre clientes e feirantes, muitos usavam máscaras, mas penduravam o equipamento no pescoço na compra de frutas e verduras.

Romaria sem diagnóstico

Familiares de vítimas da pandemia na Brasilândia reclamam da resposta do poder público — no tratamento médico e também na falta de ajuda financeira. Sem emprego há dois meses com o fechamento da lanchonete onde era balconista, Irla Santos, de 37 anos, lida com dramas em sucessão. A começar pelo contágio do irmão Fernando, internado na UTI do Hospital das Clínicas após uma semana de idas e vindas a postos de saúde com sintomas de covid-19 — com falta de ar, partes de seu rosto, pés e mãos ficaram arroxeados. Após 22 dias entubado, não há previsão de alta.

Dias após a internação de Fernando, foi a vez de Irla enfrentar a romaria pelos postos de saúde com febre e dores no corpo. Sem falta de ar, ela não teve acesso a testes nem a internação. O tratamento foi o de uma gripe forte: injeções do antibiótico benzetacil e analgésicos como dipirona. Em meio à suspeita de contaminação na família, dois de seus filhos pequenos mudaram-se para a casa dos tios numa cidade vizinha. Ao lado dela ficou o mais velho, de 19 anos, cozinheiro numa lanchonete que está aberta por trabalhar apenas com entrega. A renda familiar, pouco mais de R$ 2 mil antes da pandemia, caiu pela metade.

— O povo sabe que está errado ficar na rua e o comércio funcionar, mas precisa de dinheiro para sobreviver — diz Irla, que não conseguiu os R$ 600 do governo federal por ter trabalhado por um tempo com a carteira assinada.

A incerteza acompanha quem perdeu familiares para a pandemia. O técnico em informática Isaac Honorato, de 19 anos, viu a prima e vizinha Michele, de 23, morrer em 29 de março com sintomas de Covid-19. O resultado do teste veio um mês depois e deu inconclusivo. A família suspeita de erro na coleta do material.

— A falta de informações é revoltante. Não dá para saber se podemos trabalhar — diz Honorato, que deve voltar em breve a uma loja de TI na Santa Ifigênia, Centro de São Paulo.

A promessa da prefeitura é reduzir os problemas neste mês, com a abertura de um novo hospital na região. Serão 150 leitos de UTI e 30 de enfermaria, exclusivos para pacientes com Covid-19. No momento, a taxa de ocupação em UTIs de hospitais municipais da capital gira em torno de 72%. Enquanto isso, uma estimativa da Federação Brasileira de Hospitais aponta que a ociosidade média de leitos na rede privada do país é de cerca de 80%, sendo de 60% no caso de leitos de UTI.

— As pessoas falam que está tudo lotado, mas é só na rede pública. Enviamos carta ao ministério para propor uma parceria com os os hospitais particulares — diz o médico Adelvânio Francisco Morato, presidente da entidade.

Aglomeração em casa

A Secretaria Municipal da Saúde diz que não existem UPAs específicas para pacientes de Covid-19. Todos os estabelecimentos de atenção básica são porta de entrada para pessoas com primeiros sintomas da doença. A prefeitura afirma que desenvolve ações anticoronavírus na periferia, que vão “de visitas domiciliares à instalação de pias em comunidades vulneráveis”.

Em coletiva de imprensa, o secretário de estado da Saúde de São Paulo, José Henrique Germann, atribuiu o aumento de casos na periferia da capital paulista à aglomeração dentro das próprias moradias:

— São muitas pessoas que vivem no mesmo domicílio. É preciso usar máscaras para prevenir a transmissão do vírus de uma pessoa à outra.

Para o infectologista Eder Gatti Fernandes, presidente do Simesp, sindicato de 100 mil médicos do estado de São Paulo, o sistema público só não colapsou graças aos hospitais de campanha e à reconfiguração dos leitos em hospitais dedicados quase 100% aos pacientes de Covid-19.

O desafio é garantir aos profissionais da rede pública as mesmas condições de trabalho da rede particular. Desde 17 de março, o Simesp recebeu 172 denúncias de médicos sobre problemas na infraestrutura dos hospitais no combate à pandemia. Desse total, 80% vieram de profissionais de hospitais públicos.

— As queixas mais comuns são de falta de equipamento de segurança e material de higiene — afirma.

Fonte: Exame

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