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Crédito e discriminação: por que é preciso mudar


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Já aconteceu comigo, e se você também não passou por algo parecido, é bem provável que conheça alguém que tenha passado. Era aniversário da minha afilhada e precisava comprar um presente. Cheguei à loja vestindo uma bermuda e uma camiseta mais velha e quando quis saber o preço do que pretendia levar, o vendedor não respondeu a minha pergunta. Disse apenas: “É caro.”

A fotografia daquele momento definiu minha condição: se está mal vestido, não deve ter capacidade de crédito. Essa avaliação discriminatória, no entanto, não difere muito de quando o sistema financeiro olha para uma empresa apenas pelos números: se eles são ruins, a empresa é um risco. Diante disso, para se proteger, o sistema aumenta a precificação e exige garantias a mais, o que se traduz em custos mais altos.

Claro que a observação dos números dá um padrão de consistência e de risco. Mas eles não podem ser vistos sozinhos. Primeiro, porque são uma foto de um período que já passou. Além disso, como essas fotografias são tiradas em prazos determinados, muitas companhias constroem condições para exibirem os melhores números justamente naqueles momentos, gerando uma distorção.

Há ainda um anacronismo nesse tipo de observação de risco, que desconsidera todo o esforço que o Brasil fez para ter uma economia com juros menores. Apesar de o país ter melhorado as condições estruturais de precificação, em razão da queda da taxa Selic, o mercado continua usando as mesmas variáveis como referência na hora de conceder crédito, o que impede que as empresas usufruam dessa melhora do ambiente macroeconômico.

Mas qual a maneira de compreender melhor a realidade de uma empresa? Uma alternativa é mapear o comportamento das companhias. Se uma empresa oferece determinado serviço e entrega no prazo e na qualidade prometidos, está correta em seu propósito. E deveria ser medida por isso, não pelos números, que devem, na verdade, apenas validar a boa conduta.

Mesmo que tenha uma estrutura de capital aparentemente mais frágil, se ela faz tudo do jeito certo, deveria ter o mesmo preço de uma companhia robusta com comportamento parecido.

Em razão de uma observação de risco e de uma precificação inadequadas, o pequeno hoje, que já tem margem apertada e um índice de mortalidade altíssimo, tem menos acesso ao crédito e paga muito mais por ele. São penalizadas também até médias e grandes empresas com estruturas mais frágeis de capital.

 

Por isso a necessidade de se mudar os parâmetros existentes. E a tecnologia, por trazer novas variáveis e mais transparência aos processos, é uma forte aliada para permitir o olhar sobre o comportamento e diminuir o abismo entre os negócios.

Uma forma de inovar o crédito é observar o risco baseado no ecossistema de uma grande empresa. Isso permite a quem concede os recursos entender padrões de comportamento de toda a cadeia, ter escala e criar uma ponte de crédito até os pequenos.

Assim, torna-se possível oferecer para todas as empresas envolvidas nessa rede as mesmas condições dadas para a maior companhia e, a partir daí, cria-se um círculo virtuoso. Se você tira menos da margem dos menores, toda a cadeia fica mais saudável. Com isso, produz mais, vende mais, contrata mais, o que permite uma diminuição do risco.

O crédito não pode ser mais instrumento de discriminação. É preciso criar novos padrões e novos domínios sobre esses padrões. Ao extrair mais de quem tem menos, o crédito deixa de cumprir sua função verdadeira, que é servir ao crescimento das empresas e alavancar o potencial dos mercados.

*Fernando Ribeiro é CEO na Kobold Plataforma de Crédito.

Fonte: Exame

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