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Méliuz tem primeiro lucro desde o ano do IPO. Agora, quer voltar a crescer
“Em 2023, ajustamos a rota. Em 2024, estamos prontos para um novo ciclo de crescimento”. As frases são de Israel Salmen, co-fundador e CEO do Méliuz, na carta de abertura dos resultados referentes a 2023, e resumem a mensagem de ‘missão cumprida’ depois de um ano desafiador. Há pouco mais de um ano, o executivo falou ao INSIGHT a respeito de seu plano para os doze meses seguintes: desistir de se tornar um banco digital e voltar ao básico, a operação de cashback.
A expectativa era que esse movimento impulsionasse a receita e a geração de caixa, em meio a pressão dos investidores por lucratividade em detrimento da expansão a qualquer custo da era do juro a 2%. Em 2024, o esforço trouxe resultado: a companhia teve o primeiro lucro desde em 2020, o ano do IPO e cumpriu a tarefa de gerar caixa.
A companhia saiu do vermelho em 2022, com prejuízo de R$ 37 milhões, para o azul, em R$ 37 milhões (descontando efeitos não recorrentes e não caixa). Apesar de ter mantido uma receita praticamente estável, com crescimento de 2%, os cortes de custos e despesas, somados a melhorias de margem, fizeram a companhia sair de um EBITDA ajustado de R$ 93,5 milhões negativos em 2022 para R$ 1,1 milhão negativo em 2023.
Uma das principais alavancas do resultado veio da ‘calibragem’ do chamado net take rate. Para entendê-lo, é necessário lembrar o modelo de negócios da Méliuz. A companhia tem um app, em que reúne diferentes varejos online. As empresas pagam para estar nesse espaço. Desse dinheiro, a Méliuz tira uma parte para fornecer cashback aos consumidores que compram dentro do app e fica com o restante, como uma comissão (o tal ‘net take rate’).
Nos tempos áureos de juros a 2%, a empresa repassava praticamente tudo o que recebia das varejistas – no intuito de conquistar cada vez mais clientes – e ficava com uma média de 0,4% do valor pago pelas empresas para si. Em 2023, esse percentual ficou acima de 2% durante todo o ano e fechou o quarto trimestre em 2,4%.
Junto com esse movimento, a Méliuz reviu a estrutura de custos e despesas, com corte de R$ 83 milhões ao longo do ano. No início do ano, a companhia demitiu 6% de sua força de trabalho e, ao longo do ano, realizou mais demissões, tanto relacionadas à venda do Bankly quanto por ajustes operacionais. Considerando o indicador ajustado, sem os fatores não-recorrentes, como rescisão de demissões, a empresa diminuiu em 20% os gastos, para R$ 337 milhões.
Com isso, a a empresa mira o EBITDA positivo neste ano. “Não damos guidance, mas tudo o que reduzimos de custo e despesa e melhoramos em margem é perene. Não vamos ficar no zero a zero”, diz Marcio Penna, diretor de relações com investidores da Méliuz.
Boa parte dessa confiança vem da expectativa de aumento de receita. Em 2023, diante dos desafios macroeconômicos e do foco nos ajustes na própria operação, a primeira linha do balanço da Méliuz praticamente não cresceu.
Em 2024, diante da expectativa de um cenário ligeiramente mais benigno para a Selic e do lançamento de novos produtos, a companhia espera conseguir avançar de forma mais significativa. Sem loucuras, é claro. “Novas iniciativas precisam ter EBITDA positivo desde o primeiro dia”, diz Penna.
As sementes já foram plantadas. Uma delas é o Méliuz Ads, que, como o próprio nome já diz, é dedicada a promover anúncios de varejistas dentro da plataforma. A divisão – cujo faturamento não é divulgado de forma isolada – cresceu 35% entre 2022 e 2023 e deve continuar acelerando em 2024.
O pulo do gato dessa oferta é a margem de quase 100%. Como o produto final é fazer um anúncio dentro do aplicativo — uma mão de obra com a qual a companhia já conta — não há praticamente nenhum custo atrelado à geração de receita dessa vertical.
Outra avenida de crescimento, essa mais recente, é o Méliuz Prime, lançado no fim do ano passado. Em fase de testes, o produto se assemelha a um “Amazon Prime”, porém com vantagens relacionadas ao core business da companhia: consumidores que aderem a planos mensais ou anuais contam com ofertas exclusivas que têm o dobro de cashback.
“Mais do que a receita em si, isso aumenta a recorrência do usuário, algo muito valioso para nós. O consumidor recebe uma notificação e pode decidir comprar em lojas que habitualmente não consumiria, por exemplo. Ainda é um produto pequeno”, diz Penna.
Junto com tudo isso, há ainda a operação com o BV. A Méliuz concluiu, no quarto trimestre de 2023, a venda do Bankly, sua antiga operação de banco digital, ao Votorantim, mas ainda preserva uma casca de serviços financeiros dentro de casa.
Na venda, a mecânica acordada foi a seguinte: toda a parte de serviços financeiros criada dentro do app da Méliuz continua ali, com o banco fornecendo toda a infraestrutura e todas as licenças necessárias, além de arcar com o risco de crédito da operação.
Toda receita que entra, seja de cartão ou de conta digital, é dividida entre ambos, com o BV abocanhando a maior parte desse dinheiro recorrente. Porém, a cada cartão emitido via Méliuz, ou a cada conta aberta dentro do aplicativo, a empresa de cashback recebe uma remuneração adicional.
“É uma conta que fica boa para os dois lados. O BV tem a estrutura para tomar risco de crédito muito maior do que a gente tinha. Eles podem desenvolver mais cartões e mais contas, algo que, hoje, também nos beneficia, em uma estrutura asset light”, diz Penna.
A força desse impulso ficou clara no quarto trimestre. No período, foram abertas 915,4 mil contas digitais em parceria com o BV, um crescimento notável em relação às 278,5 mil contas abertas até o final do terceiro trimestre de 2023 (pré-conclusão da parceria). Até o final do quarto trimestre, a Méliuz tinha emitido um acumulado de 48,7 mil cartões de crédito com o BV, mais do que dobrando o total emitido ao final do terceiro trimestre, de 19,8 mil cartões.
Fonte: Exame