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Sou a senhora da minha história profissional, com os ônus e bônus


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Por: Fabiana Monteiro

Luciana Lancerotti – diretora de Marketing na Microsoft Brasil

Sou a filha mais nova de um ex-militar que acabou migrando para o mercado corporativo, onde atuou por muito tempo. Ele era do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR-SP) e traz marcas muito fortes de exigências, compromisso e rigidez. Já minha mãe, que já passou para outro plano, sempre foi dona de casa, mas uma artista nata: pintava quadros e costurava lindamente. Sou casada com o Rogers, que também é da área de tecnologia, e temos dois filhos: Rafael, de 9 anos, e Felipe, de 13.

Nasci no Hospital São Camilo, na cidade de São Paulo, e, desde muito jovem, sempre fui uma apaixonada por pessoas. Fui bailarina por 15 anos, toquei diversos instrumentos entre eles violão, orgão eletrônico e piano, e acabei movendo para os esportes coletivos; primeiro vôlei e depois futsal. Foi essa habilidade e dedicação pelos esportes que acabaram me dando muitas oportunidades. Tive o privilégio de estudar em bons colégios, como o Santo Ivo, e no Campos Salles – unidade Chácara. Meu Ensino Médio foi feito no próprio Colégio Mackenzie, de onde segui diretamente para a faculdade e pós-graduação.

Gostava muito da área de Exatas e sonhava em estudar Física Nuclear desde pequena. No meio do Ensino Médio, uma prima me levou para conhecer o laboratório da Universidade de São Paulo (USP), e foi um balde de água fria. O professor que nos recebeu contou sobre sua rotina, então perguntei que horas as pessoas chegavam. Ele que me disse que sua vida era supersolitária e que passava o dia inteiro sozinho. Foi naquele momento que desisti da Física e percebi que as relações humanas eram algo importante para mim. Decidi então por Desenho Industrial, que comecei no Mackenzie, em 1992, quando estava com apenas 17 anos. Depois de um ano, tranquei o curso e fui para o Estados Unidos, onde fiquei seis meses na cidade de Oakland, na região de São Francisco (Califórnia), para aprimoramento da língua inglesa e conhecimento de cultura.

Quando voltei, em 1993, retomei o curso e, em agosto daquele mesmo ano, iniciei um período de estágio na Caterpillar. Foi uma experiência muito interessante porque trabalhava com engenheiros e pessoas altamente técnicas, na área de motores naúticos e grupos geradores. Fazíamos testes de equipamento e nunca andei tanto de barco quanto naquela época. Lembro-me de que sempre procurava o pessoal de Marketing e me colocava à disposição para ajudar em algumas iniciativas, principalmente relacionadas a eventos e campanhas. Assim fui me aproximando desta área e me apaixonando. Participávamos de feiras náuticas, exposição de equipamentos e fui me inteirando desta dinamica.

Durante esta interação com a área de Marketing da Caterpillar, uma faísca se acendeu e acabei tomando a decisão de fazer também a faculdade Marketing e Comunicação. Poderia ter largado graduação de Desenho Industrial, porém tenho como princípio a perserverança e não sou de largar atividades no meio do caminho. Obtive os dois diplomas e, depois, para complementar, ainda fiz uma pós em Comunicação. E o melhor: tudo isso como atleta bolsista, pois, como disse, o esporte sempre fez parte da minha vida. Joguei futsal ao longo de todo este período (1992 a 2002), sendo inclusive diretora da Atlética e uma das fundadoras do 1º JUCA (Jogos Universitários de Comunicação e Artes). Jamais fui a jogadora mais habilidosa, mas sempre liderei o time. O esporte despertou esta qualidade em mim, algo que trago comigo até hoje em minha vida pessoal e profissional.

Um momento de ruptura

Depois de dois anos na Caterpillar, passei mais dois anos na Hoescht e, em janeiro de 1999, cheguei à área de Marketing da IBM, sempre como estagiária. Tinha a sensação de que jamais iria ter a oportunidade de ser efetivada e começar uma trajetória de ascenção na carreira. Por fim, acabei conhecendo um grupo de executivos que estavam abrindo uma startup e me queriam com eles. Foi o primeiro grande marco da minha trajetória. Quando falei para meu pai que estava saindo da IBM para ir para uma startup, ele não entendeu nada. Tive de ter coragem de falar sim e deixar para trás uma grande empresa, onde poderia ter mais estabilidade, a depender só do desempenho profissional. Sair representava assumir riscos, e esse momento de ruptura foi crucial na minha vida. Fui para um mercado novo, com crescimento exponencial. E foi a soma do conhecimento que adquiri ali, abrindo e encerrando startups, que me ajudariam a dar o próximo passo.

Uma ex-colega de IBM, Priscyla Laham, estava mudando de posição na Microsoft e me avisou do processo seletivo para o posto que deixaria. Priscyla, que hoje é vice-presidente de venda na Microsoft Brasil, acabaria se tornando para mim uma mentora profissional. Lembro-me de que, na entrevista, o gerente de RH me perguntou porque queria mudar de emprego e respondi que não aguentava mais errar o caminho, pois, em dois anos e meio, já tinha aberto e fechado cinco empresas e queria algo mais sólido. E ele continuou: “Você acha que a Microsoft é uma empresa sólida?”. E quase que por instinto eu respondi: “Se eu conseguir quebrar a Microsoft é porque estou na lama mesmo”.

Ganhei a vaga e o fato de ter passado antes por grandes corporações, conhecendo como funcinava os mecanismos corporativos, e ter experiência com o dinamismo das startups me ajudaram. Era novembro de 2003, quando a própria Microsoft vivia um momento de transformação. Ela deixava de ser uma “grande startup”- para se implementar transformações de processos e alinhamentos globais. Entrei na área de Comunicação e Marketing e dali trilhei vários caminhos até o momento em que me encontro agora, como Diretora de Marketing, posição que ocupo desde 2019.

Sem fechar portas e focando no que se gosta

Sempre fui uma pessoa muito aberta. Não deixei a vida me levar dentro do mundo corporativo, mas me mantive sempre aberta o suficiente para poder enxergar as possibilidades. Tinha muita clareza de que gestão e liderança de pessoas e equipes era uma área de enorme carinho, e que Marketing era um caminho para transformar pessoas dentro e fora da empresa. Até onde isso iria me levar não sabia, entretanto não fechei portas e foquei no que gosto. Depois de sair de publicidade, assumi a função de Líder de Comunicação e Marketing Integrado e, posteriormente, em 2012, tive a oportunidade de trabalhar na área de Audiência Técnica, onde havia diversos desafios, mas que me despertaram a curiosidade do crescimento.

Essa função foi a mais fora do minha trajetória até então. Eu, uma especialista em Marketing, passei a liderar técnicos e desenvolvedores. Mas diria que foi a fase mais brilhante em minha carreira até hoje. Depois movi para área de Produto da Microsoft onde liderei Office para Pequenas e Médias empresas num momento de transformação de produtos on premisse para Nuvem. Uau, que baita desafio! Experiência importante pra trilhar uma liderança de alto impacto. Mas aqueles que me conhecem sabem que gosto de fazer Marketing com foco em pessoas, não para análise competitiva, mercadológica, técnica. Foi então que, em agosto de 2016, fui convidada para voltar a área Central de Marketing, em uma função conhecida como Commercial Marketing. Aqui é onde eu lacro todo conhecimento para ter oportunidade de me tornar Diretora de Marketing em alguns anos.

Esta era uma função de interface entre vendas e operação de Marketing e foi onde aprendi a ser respeitosa e melhor ouvinte com o time de vendas e a entender o eterno conflito que se trava entre Marketing e Vendas. Foi um momento brilhante de aprendizado, e ganhei o respeito das equipes ao fazer com que soubéssemos o que fazíamos, porque fazíavamos e, em sendo bom (ou não), que eles dessem retorno. Por outro lado, os times de Produto sabendo que eu já tinha sido gerente da área e que, portanto, não era alheia às suas dores e dificuldades.

Depois de dois anos e meio nesta função, surgiu a oportunidade de participar de um processo interno da Microsoft para o qual me desafiei e acabei assumindo a posição de Diretora de Marketing, onde me encontro até então. Um grande desafio regado de oportunidade de liderar equipes, trazer impacto real. Nesta posição reportam a mim as área de Eventos, Commercial Marketing (de onde vim), Publicidade, Digital e Conteúdo. Confesso que não sou mais a especialista de anos atrás, digo que hoje sou uma Maestra e muito feliz.

Aprender é uma ação diária

Dentro do modelo mental de cada um de nós, existe uma oportunidade de aprendizado. Tem gente que gosta de ler; outros preferem fazer múltiplos cursos, faculdades e especializações, MBA. Na Microsoft utilizamos muito o conceito de Learning on the Job, com o conhecimento sendo oferecido pela (e dentro da) própria empresa, permitindo que cada um desenvolva as habilidades que precisam para serem bem-sucedidos. Em síntese, aprendemos fazendo.

Sinceramente, não sei se estudar é a palavra correta, contudo aprender para mim é essencial. Gosto da palavra troca, e é preciso fazer isso constantemente. Cada pessoa nova que entra no meu time traz um novo olhar, novos aprendizados. Quando faço uma exposição, seja para uma turma de graduação ou pós, a troca com os alunos é uma forma de aprender. Cada pergunta recebida leva a uma reflexão. Para mim, aprender é uma ação diária e a forma de como se aprende é uma decisão individual, dependendo do modelo mental de cada um.

Não podemos nos sabotar a todo momento

Tive alguns mentores ao longo do tempo, e acho importante falar sobre isso. Como inspiração inicial, minha fonte foi o meu pai, Paulo Lancerotti. Ele vem de uma família muito simples, foi a primeira pessoa a ter condições de fazer uma faculdade e acabou tendo uma carreira realmente brilhante. Ele despertou em mim a vontade de crescer e me fez acreditar que depende muito de nós e daquilo que temos de potência. Quando ele me indicou para o primeiro estágio, disse: “Vou te ajudar no pontapé inicial, entretanto, a partir daqui, é sobre o que você tem capacidade para oferecer”. Ainda no ambiente familiar, não posso esquecer de mencionar a minha querida tia Angélica, pois com ela aprendi muito sobre os valores humanos e respeito para com a humanidade. Ela continua sendo o meu centro, me apoiando nos maiores desafios junto a minha família e trabalho.

Já no campo profissional, tive o privilégio de encontrar muitas pessoas inteligentes e brilhantes. Difícil destacar, mas decidi escolher um para mostrar a importância de uma liderança. O Paulo, de Iudicibus, foi meu VP na área de Audiência Técnica. Um marco, como líder, por exemplo, em um dos momentos mais delicados e difíceis de minha vida pessoal, quando tinha perdido minha mãe e lidava com a recém-chegada do meu filho. Ele tem uma capacidade incrível e é muito inteligente e inspirador, do tipo que prefere enxergar as fortalezas de cada um do que olhar as fraquezas. Quando recebi a missão de levar uma visão mais humana para a área de Audiência, ele me disse: “Não vou te desafiar pelo que você não tem de melhor, mas fazer crescer o seu potencial”. Ele foi uma estrela na minha vida e acredito que se cheguei aonde cheguei foi também muito graças a ele e seu modelo de liderança.

Esse período como líder de Marketing de Audiência representa um marco em minha carreira, quando consegui um dos meus melhores cases de sucesso. O mercado tinha uma percepção negativa sobre a Microsoft, e, na época em que assumi, tínhamos o pior índice de satisfação da audiência no mundo. No entanto, com muito trabalho em equipe, em um ano transformamos o pior índice global no melhor. Isso foi possível por intermédio do mecanismo de escuta: ouvimos o que nossa audiência estava nos dizendo por intermédio de nossas pesquisas. Depois, montamos plataformas de treinamento e oferecemos capacitação on-line – isso em 2013, quando não era tão evidente assim – e criamos um grande hub de comunicação e conteúdo. Fizemos um trabalho notável usando princípios básicos, como simplicidade, consistência, transparência e clareza. E funcionou, tanto que resultou em diversos prêmios não apenas a mim, mas a equipe e outros membros.

Atualmente, minha mentora para carreira é Laura Lobo, que é do mercado de Educação e presidente da Universidade da Paz. Ela contribuiu para que eu resgatasse uma essência mais humanizada e me incentivou a dar voz a mim mesma. Estava em um casulo e ela me deu coragem de sair dele. Uma frase que aprendi com a Laura é que “sabedoria é a coragem de compartilharmos com o mundo o pouco que a gente sabe”. Achava que não era suficiente para o mundo, mas estava enganada. Não podemos nos sabotar a todo momento e eu, mesmo sendo executiva de uma grande empresa, fazia isso comigo. Portanto, este momento em que tenho a coragem de me expor mais e compartilhar minha história é tão significativo para mim que o qualifico como um dos meus pontos de inflexão e transformaçào interna, assim como minha saída da IBM para o mundo das startups, a indicação da Pryscila, que me fez chegar à Microsoft, assumir uma área de Audiência Técnica fora da minha zona de conforto, e por fim ter a oportunidade de ter assumido o cargo atual de Diretora de Marketing, onde sou incentivada todos os dias a ser uma profissional melhor pelo meu líder Rodrigo Paiva.

Humildade genuína, coragem e vontade de aprender

Se quer fugir de uma armadilha, não deixe, em nenhum momento, que as pessoas decidam sua carreira por você. Sei o que me faz feliz e não me permito sair desse trilho por uma crença que é minha, um valor que é meu. Sou a senhora da minha história profissional, com os ônus e bônus. Por outro lado, o líder precisa ter humildade genuína, coragem e vontade de aprender. Eu, Luciana, não tenho vergonha ou medo de dizer que sei menos do que alguém do meu time. Para isso é preciso coragem, assim como para tormar decisões difíceis. E faço isso a todo momento, mas sempre com muito respeito às pessoas.

Respeito, para mim, é uma competência fundamental. Prefiro ter comigo alguém que não seja tecnicamente o melhor, desde que tenha respeito por trabalhar em equipe e vontade de aprender. Uma dica? Promova relações genuínas e aprenda com aqueles que têm o que ensinar. Tenha coragem de falar e se expor se respeitando. Vejo profissionais muito tímidos perdendo oportunidades porque não têm a audácia, a persuação ou o storytelling perfeito. Isso é importante porque, embora muitos levantem a bandeira para que as pessoas pensem “fora da caixa”, no fundo, o que ainda se busca no mercado corporativo são modelos estandarizados. Porém, cada um de nós temos o nosso valor agregado e os nossos valores.

Diversidade e busca por alternativas

Descobri que sou disléxica por conta do meu filho, faz uns seis anos. Não sabia até então, mas agora sei que se trata de uma desordem neurológica de origem genética e com alto índice de hereditariedade. Isso me conduziu a um processo de reflexão muito intenso, levando-me a um reencontro com algumas das dificuldades que tive na vida. Quantos livros já li e fui cobrada por ter chegado ao final sem entender absolutamente nada do que tinha lido. Logicamente, há outros caminhos para o meu aprendizado. Há vários caminhos para todos. Até então, sabia que tinha um desafio, embora não soubesse o que era. Mas permiti me desafiar, pois nunca fui de desistir das coisas. Não era a aluna mais brilhante da turma, mas muito dedicada em busca das melhores notas, mesmo diante das minhas limitações desconhecidas na época.

O que me toca muito forte nessa história é a busca por alternativas. Descobri a velocidade do meu pensamento, a capacidade da memória fotográfica. Um colega da área técnica me disse um dia: “Lu, a dificuldade de te acompanhar e entender o que você quer é porque você está pensando dez vezes lá na frente, e sorte de quem tem a capacidade de acompanha-la, pois assim ganhamos criatividade e melhoria de processos”. Por isso digo que temos de olhar e acolher a diversidade real, pois é isso que compõe o brilhantismo do mercado. Se fôssemos todos iguais, pensaríamos todos iguaizinhos, dentro do mesmo mecanismo. Gosto de compor os times com diversidade de modelos mentais, e trazendo  pessoas mais lineares para que estas possam me ajudar a desenhar as caixinhas para todo meu frenesi mental.

Gosto muito da questão da diversidade e do respeito aos modelos mentais diferentes. Se não nos transformarmos como seres humanos, se não tratarmos as demais pessoas e o planeta de uma forma mais respeitosa, estaremos fadados ao fracasso em pouco tempo. Quero acreditar que somos capazes de mudar para melhor. Ainda temos alguns desafios pela frente, mas acredito que estamos em um processo de evolução de gerações. Chegaremos lá! Acredite em você e todos os dias, dê um pequeno passo neste movimento.

Fonte: Exame

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