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Polícia evitou quatro massacres escolares em Minas em 12 meses


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A Polícia Civil de Minas Gerais evitou quatro massacres escolares no Estado nos últimos 12 meses, que aconteceriam na Grande BH, no Sul e no Alto Paranaíba. As informações foram repassadas pelo delegado Renato Nunes Guimarães, titular da Divisão Especializada de Investigação aos Crimes Cibernéticos e Defesa do Consumidor, em entrevista exclusiva a O TEMPO. Ameaças em instituições de ensino têm gerado medo e apreensão entre pais, alunos e professores. 

“Temos uma parceria de troca de informações tanto com o Ministério da Justiça quanto com a Embaixada Americana, através da Agência de Segurança Interna dos Estados Unidos. Essa troca de conversas odiosas, quando são compartilhadas em fóruns, são compartilhadas com a Polícia Civil”, diz o delegado.

Os fóruns citados pelo delegado, em grande parte, são os conhecidos como “chans”, canais quase sempre mantidos em zonas obscuras da internet, como a deep web – só acessada com navegadores especiais. 

Historiador pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestrando pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Luiz Felipe Guerra dedica seu trabalho de pesquisa ao acompanhamento desses fóruns. O estudo se baseia na linguagem usada por esses usuários anônimos, mas, diante dos diversos discursos de ódio com que se depara frequentemente, o cientista se vê obrigado a denunciar. 

“Tento mapear quem são, quais as ideologias, o que motiva essas pessoas a cometerem esses atos de ódio. Em vários fóruns, você consegue achar declarações e manifestos. Um dos exemplos, que me motivou a estudar isso, foi o ataque de Saudades (SC, onde cinco pessoas morreram esfaqueadas por um jovem de 18 anos). Eu observei uma pessoa anunciando isso e mandei para a polícia. Eu tinha visto antes (de acontecer), mas nada foi feito”, diz Luiz Felipe Guerra.

Segundo o pesquisador, os únicos casos que geralmente resultam em medidas práticas das autoridades são os que envolvem pedofilia. O historiador conseguiu frear o compartilhamento de um acervo gigantesco de conteúdo do tipo recentemente. O caso seguiu para a polícia do Rio Grande do Sul. 

Também pesquisadora da área, Yasmin Curzi desenvolve trabalhos de regulação de plataformas no Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), vinculado à Fundação Getúlio Vargas (FGV). Assim como Luiz Felipe Guerra, ela critica a falta de preparo das autoridades para monitorar a deep web e tomar medidas efetivas contra os criminosos.

“No Brasil, não temos capacidade técnica nas delegacias para fazer esse trabalho. A lei que dá competência à Polícia Federal para investigar crimes de misoginia contra mulheres leva o nome da Lola Aronovich (professora e ativista que recebe inúmeras ameaças por sua atuação), que fez 11 boletins de ocorrências de ameaças de membros de fóruns da deep web. Essa saga dela para conseguir descobrir quem são essas pessoas partiu dela mesmo, por meio do monitoramento do Dogolachan (um dos principais fóruns), que está envolvido com os massacres de Realengo e de Suzano. As autoridades, muitas vezes, não dão credibilidade a essas organizações e às próprias mulheres”, diz Yasmin Curzi.

Trinta ocorrências por dia

Números apurados pela reportagem de O TEMPO junto ao Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), mostram que o Estado registrou 4.457 infrações consumadas (de todo tipo) em instituições de ensino (públicas ou privadas) só entre janeiro e maio deste ano – uma média de 29,7 por dia no período. Parte desse dado, segundo a Sejusp, se refere a fatos que ocorreram na proximidade da instituição, não em seu interior. “Não necessariamente a instituição de ensino é a vítima do crime, podendo ser uma pessoa em seu interior ou entorno”.

O dado é bem superior aos totais registrados entre janeiro e maio de 2020 e 2021, respectivamente 2.800 e 1.643, mas inferior às 6.592 ocorrências de 2019 nos primeiros cinco meses. Para a Sejusp, isso aconteceu porque as escolas ficaram fechadas em boa parte de 2020 e 2021 por conta da pandemia da Covid-19. 

Só em BH, a pasta computa 710 ocorrências nos mesmos moldes entre janeiro e maio deste ano – 4,7 por dia. O dado também é superior ao observado nos dois anos anteriores: 281 (2021) e 478 (2020). Novamente, no paralelo com 2019, o total deste ano está aquém: 1.095 registros aconteceram nas escolas ou em suas imediações nos primeiros cinco meses daquele ano. 

Misoginia é pilar de criminosos

O histórico dos massacres nas escolas ou em outros lugares contra civis costumam seguir um mesmo modus operandi. A execução também parte de pessoas com o mesmo perfil: geralmente jovens brancos e com dificuldade de relacionamento interpessoal, que agem motivados pelos fóruns da deep web. Esse era o exato perfil de Robert Crimo III, preso pelo ataque de Highland Park, em Illinois, nos Estados Unidos, na semana passada. 

Com extensa dedicação ao tema, a pesquisadora Yasmin Curzi diz que grande parte do enfrentamento ao problema nasce no combate à violência contra a mulher. É comum que esses criminosos hajam para tentar reestabelecer uma supremacia branca, masculina e ocidental. 

“Quando tem algum tiroteio no Brasil, os principais alvos têm sido mulheres: diretoras, coordenadoras e alunas. A gente precisa ter uma coisa clara: a misoginia é um dos pilares desses grupos. Eles têm uma crença de que a conquista de direitos por mulheres faz com que os homens estejam em uma posição inferior”, diz a doutoranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Como resposta, Yasmin Curzi defende uma ampliação das delegacias especializadas na proteção à mulher, bem como a promoção de cursos dentro das polícias para que a assistência às vítimas desse tipo de crime recebam o atendimento correto. 

“Importante também a gente ‘colocar os pingos nos is’. Esse tipo de discurso e atitude é radicalismo. Precisamos caracterizar esse tipo de ataque como terrorismo, como a ONU já faz. É um terrorismo doméstico, que começa até mesmo nas redes sociais convencionais. O autor do ataque de Highland Park tinha um canal de YouTube, em que já simulava uma pessoa com uma arma dentro da escola. Essas coisas não estão desassociadas. Esse tipo de ação nas plataformas também é fundamental”, afirma a especialista da FGV.

Linguagem medieval e referências históricas conduzem o discurso

Luiz Felipe Guerra, mestrando da Unimontes, pesquisa o tema há anos. Ele conduz um estudo sobre como o discurso de ódio é acompanhado de referências à Idade Média e a outros ataques, sobretudo a um manifesto escrito pelo norueguês Anders Behring Breivik, terrorista neonazista que coordenou ataques em 2011, quando 77 pessoas morreram em Oslo e na ilha de Utoya. 

“Eles, geralmente, fazem uso dessas imagens de cavaleiros, defendem a Cristandade, a pureza racial do Ocidente. Vão se basear muito também no manifesto do Breivik, que advoga por uma doutrina de guerra, uma cruzada. É um manual com algumas partes ideológicas, como ‘problemas’ do feminismo, do islamismo etc. É uma teoria de que as pessoas brancas estão sendo extintas”, diz Guerra. 

Assim como Yasmin Curzi, o pesquisador da Unimontes ressalta que há uma constante agressão às mulheres nesses fóruns. “Para eles, a ‘degeneração’ da sociedade vem das mulheres. Mas, também há divergência entre eles: alguns mais radicais defendem que todas as mulheres precisam morrer, enquanto outros defendem a ‘bela, acatada e do lar’, aquela bem submissa ao marido. É uma ideologia suicida”, afirma.

Fonte: O tempo

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