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OPINIÃO: Reforma administrativa pode engessar o funcionalismo


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Reformas fazem sentido para corrigir, modernizar e melhorar. Infelizmente, também são comuns as contrarreformas, que barram avanços ou dão marcha a ré. Há anos temos defendido uma reforma administrativa para o Brasil. É preciso racionalizar e dar eficiência ao Estado, garantindo serviços públicos de qualidade a todos os cidadãos.

Um bom caminho seria a ampla revisão das leis das carreiras, que definem e limitam a gestão de recursos humanos das máquinas públicas federais, estaduais e municipais. Os pilares teriam de ser simplificação e uniformização de regras, avaliação do desempenho dos agentes públicos e meritocracia. Para isso, não há necessidade de mexer na Constituição.

Só que o caminho escolhido pelo governo federal, em fins de 2019, foi enviar ao Congresso Nacional uma confusa proposta de emenda constitucional (PEC). O objetivo parecia nobre: implantar um “novo serviço público” a partir da modernização da máquina, com maior flexibilidade na seleção, contratação, gestão e manutenção de servidores.

Mas, cheia de vícios, a PEC começava pelo final, pelo tema complexo da estabilidade, e propunha mais complexidade, com cinco tipos novos de vínculos funcionais.

De tão sensível, esse caminho embutia riscos de retrocesso e, como temíamos, o relatório apresentado pelo Deputado Artur Maia à Comissão Especial Mista da Reforma Administrativa veio para confirmá-los.

O relatório partiu dos objetivos de modernização e flexibilidade. Acenou para novos marcos, a serem editados por lei nacional, sobre trabalho temporário no setor público e avaliação de desempenho dos servidores. Em princípio, algo positivo.

Mas também propôs levar para a Constituição muitas regras que não devem estar nela, e cujo efeito será criar ainda mais obstáculos à boa gestão e à necessária revisão paulatina das leis.

O relatório incorpora um conceito de atividades típicas de Estado que acaba por abranger quase tudo. Com base nisso, faz blindagens adicionais às carreiras envolvidas, constitucionalizando vantagens e proteções em temas como redução de jornada de trabalho, exclusividade de funções, avaliação e desligamento por baixo desempenho.

Como quase tudo se tornará carreira de Estado, mesmo a discussão sobre a estabilidade sairá pela culatra. O resultado será enrijecer ainda mais a gestão de pessoas no setor público e, pior, dar status constitucional a proteções que uma reforma real deveria suprimir.

Para evitar confronto com as corporações do Judiciário e do Ministério Público, o relatório passa ao largo de problemas prementes e ignora que é ali — mais que nas carreiras de elite do Executivo ou do Legislativo — que estão os privilégios imorais como férias acima de 30 dias, vantagens retroativas, aposentadorias como punição e promoções ou progressões automáticas.

Além disso, poupa das mudanças os servidores atuais, criando duas classes de servidores, os atuais e os novos, com regimes diversos. Mais uma vez, mudanças são feitas para não mexer nos privilégios.

Há outros pontos como, por exemplo, a necessária e urgente regulamentação da avaliação de desempenho. A implantação de um modelo de avaliação obrigatória, sistemática e relativa (curva forçada) não depende de emenda constitucional.

A regulamentação do art. 41 da Constituição Federal já seria suficiente para garantir o pontapé inicial da implantação de um sistema impessoal, justo e ágil.

Preferiu-se, contudo, constitucionalizar exigências e critérios que tendem a engessar a gestão, abrir espaço para judicialização e dificultar avanços que já chegarão com 20 anos de atraso.

Em 1545, a Igreja Católica, possivelmente motivada pela Reforma Protestante de Lutero, veio com a Contrarreforma. Reafirmou o celibato, a infalibilidade papal, a proibição de livros e a catequese dos novos povos. Manteve dogmas antigos, consolidou padrões atrasados e bloqueou avanços. Parece que hoje, no Brasil, estamos caminhando para uma contrarreforma administrativa.

Ana Carla Abrão é economista e sócia da consultoria Oliver Wyman; Arminio Fraga é ex-presidente do Banco Central e Carlos Ari Sundfeld é professor titular da FGV Direito SP.

 

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Fonte: Exame

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