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OPINIÃO O quanto a pecuária influencia o aquecimento global?


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Por Frank Mitloehner*

Nos últimos anos, o gás metano ganhou destaque nas discussões sobre o efeito estufa e como limitar as mudanças climáticas. Não é difícil entender o porquê. No curto prazo, o metano é um gás de efeito estufa muito potente, com aproximadamente 25 vezes o potencial de aquecimento do dióxido de carbono nos 10 anos após sua emissão.

Como resultado, a pecuária foi rotulada como um dos principais fatores para o aquecimento global, devido às emissões entéricas do gado. O metano também é um subproduto de outras indústrias, mas a imagem de animais expelindo metano como parte normal de seu processo digestivo se fixou na memória de muitos. Por esse motivo – entre outros –, a redução do consumo de carne, o fim da produção de proteína animal e a adoção de dietas veganas são frequentemente apresentados como soluções milagrosas para retardar o aquecimento. Felizmente, existem maneiras melhores.

Podemos continuar a nos beneficiar da produção animal e atacar o aquecimento global ao mesmo tempo. Não será fácil e exigirá passos além do “business as usual”, mas é possível. Segundo muitos cientistas, se o setor continuar usando a tecnologia para reduzir ainda mais suas emissões, poderá alcançar a neutralidade climática dentro de uma década. Isso significa que a indústria não está adicionando aquecimento adicional à atmosfera.

E fica ainda melhor. Uma vez que o setor atinja o ponto de neutralidade climática, se continuar no mesmo caminho de focar formas de usar a ciência e a tecnologia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, pode realmente ter um efeito de resfriamento. Será parte de uma solução para o aquecimento global.

Para ver como isso é muito mais do que uma ilusão, é importante entender a natureza do metano e como ele se comporta na atmosfera.

O metano é frequentemente comparado ao dióxido de carbono, o gás de efeito estufa mais abundante. A métrica tradicional do GWP100 utiliza o CO2 como referência, atribuindo-lhe um potencial de aquecimento de 1 ao longo de 100 anos na atmosfera. O metano – CH4 – recebe então um fator de aquecimento de aproximadamente 28, sugerindo que uma molécula de CH4 aquecerá a atmosfera 28 vezes mais do que uma molécula de CO2 durante o mesmo período de 100 anos.

Por mais bem intencionada que seja a métrica GWP100, ela não leva em conta as diferenças entre CO2 e CH4. O metano permanece na atmosfera por apenas 10 anos, enquanto o dióxido de carbono está conosco há milênios, devido ao fato de que nossas atividades antropogênicas (provenientes de seres humanos), como dirigir, gerar eletricidade e construir estradas, prédios, casas e outras estruturas, resultou em muito mais emissões de CO2 do que as que podem ser removidas naturalmente. O dióxido de carbono é conhecido como um gás de estoque que simplesmente se acumula na atmosfera porque grande parte dele não tem para onde ir.

O metano é muito diferente, especialmente quando é estudado como um componente do ciclo biogênico do carbono. Por exemplo, o metano emitido pelo gado entra na atmosfera, onde permanece por cerca de 10 anos, aquecendo a uma taxa alta em relação ao dióxido de carbono. Após 10 anos, é decomposto em dióxido de carbono e vapor de água. As plantas extraem o dióxido de carbono da atmosfera para realizar a fotossíntese e devolver parte ao solo. Elas se tornam alimento para os animais que emitem metano à medida que se tornam alimento para os humanos, e o ciclo recomeça. Ao contrário do CO2, o metano é considerado um gás de fluxo de curta duração. Ou seja, flui ou circula pela atmosfera.

Assim, se as emissões de metano permanecerem constantes, não haverá aquecimento adicional. Está continuamente sendo removido à medida que é adicionado. Se as emissões de metano forem reduzidas, haverá um efeito de resfriamento, pois o que está sendo removido não está sendo totalmente substituído.

Precisamos compreender esses fatos para entender o impacto das emissões com precisão e avaliar planos de ação eficazes para reduzir o aquecimento global. É preciso reduzir as emissões de metano na atmosfera, e a pecuária deve fazer sua parte. Mas, primeiro, devemos esclarecer como o metano se comporta uma vez emitido e as diferenças entre as fontes desse gás.

A resposta para nossa crise do aquecimento global não é a eliminação da pecuária, especialmente porque precisaremos dela para alimentar a população global em rápido crescimento, que chegará a 10 bilhões de pessoas até 2050. Dito isso, as pessoas, claro, devem se sentir livres para escolher uma dieta vegana . No entanto, eles estão enganados se pensam que é uma solução para o aquecimento global.

Um estudo de Wynes & Nicholas mostrou que, se as pessoas se tornarem veganas por um ano, suas pegadas de carbono individuais diminuirão 0,8 tonelada. Compare essa economia com as emissões de gases de efeito estufa de um passageiro que faz um voo dos EUA para o Brasil. Ele acrescentaria 1,6 tonelada à sua pegada de carbono, efetivamente apagando o benefício de dois anos de dieta vegana. Outro dado relevante está relacionado ao compromisso que 105 países assinaram na COP26 – de reduzir 30% das emissões de metano até 2030. Se cada um aplicasse essa redução, o aquecimento da atmosfera diminuiria apenas 0,01°C.

Sem dúvida, precisamos fazer nossa parte e fazê-la rapidamente. Há conquistas recentes como o uso de aditivos alimentares na ração de bovinos que reduzem as emissões entéricas e a adoção de biodigestores no tratamento de dejetos dos rebanhos em fazendas leiteiras que evitam que o metano escape para a atmosfera. Esses avanços se mostram muito promissores, apontando para que a pecuária e as atividades ligadas a ela se tornem neutras em relação ao clima em um futuro próximo.

*Frank Mitloehner, Ph.D, é professor e pesquisador do Departamento de Ciência Animal da Universidade da Califórnia, Davis, e diretor do CLEAR Center da universidade.

Fonte: Exame

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