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Felipe Ladislau: lideranças de sucesso no futuro serão afirmativas


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Por Felipe Ladislau*

Acredito que poucos de nós notamos os momentos-chave que marcam mudanças de época. Em minha visão, existem algumas variáveis que contribuem para uma miopia generalizada.

A primeira delas é formada pelas mudanças transformacionais, que começam de forma lenta e gradual, e de repente apresentam viradas abruptas. Normalmente, é aí que todos tendem a reconhecer o verdadeiro potencial de uma inovação, por exemplo.

A segunda variável está relacionada a uma característica inerente à humanidade contemporânea de superdimensionar impactos de curto prazo e minimizar consequências de longo prazo. Empolgamos rapidamente com modas passageiras e persistimos pouco em tendências mais sólidas e demandam mais disciplina.

E, por fim, as mudanças de hábitos exigidas pelas transformações. Hábitos antigos são difíceis de alterar. Compartilho uma fala da neuropsicóloga Rochele Paz Fonseca, que explica o que causa a resistência à mudança. “Um hábito é um tipo de memória consolidada sobre a qual nós temos menos consciência sobre, ou seja, executamos algo a partir do piloto automático”.

Por esse motivo, acredito que a transformação mais dolorosa pela qual estamos passando, como profissionais, é a de desaprender os velhos vícios de gestão e nos permitir desabrochar como lideranças novas.

Além disso, essa transformação é tão disruptiva ao ponto de ser capaz de romper com narrativas antigas, que reforçam o arquétipo do governante, que toma para si uma responsabilidade muito alta, muita determinação.

Por outro lado, o governante é centralizador, confia pouco nas outras pessoas e lhes dá pouca abertura, o que o torna muito inflexível e fechado.

O líder governante funcionou durante um longo período da administração. No entanto, a velha gestão está ruindo e acompanhamos o crescimento de modelos ágeis de trabalho, gestão por OKRs e empresas horizontais ou que trabalham com uma lógica de comunidade, por exemplo, a Organica e a Feira Preta.

Tudo isso nos faz repensar o papel da liderança para além de expressões comuns como “o fim da gestão comando e controle”, pois a superficialidade cria um consenso frágil sobre o qual nossas falas e práticas divergem.

Lideranças centralizadoras tendem a oferecer pouco espaço para pessoas pouco diversas, com novas roupagens a práticas antigas. Nesse sentido, são largos os ambientes que pensam ter implementado práticas ágeis quando na essência pouco mudou.

Trago exemplos práticos de erros e acertos:

  • Uma startup de óculos chamada Reframd se destacou com uma inovação fantástica: armações que se ajustavam melhor a anatomia de pessoas pretas com narizes largos. Todos deveríamos nos questionar como é que não fomos capazes de pensar nisso antes e como as empresas tradicionais não foram capazes de notar uma oportunidade de mercado óbvia

 

  • A Herbal Essences, marca da Procter & Gamble que produz produtos para cuidados com o cabelo, foi a primeira grande marca a produzir embalagens com marcas táteis que auxiliassem pessoas com deficiência visual a diferenciar xampus e condicionadores utilizando o toque. Esse foi um grande marco para a marca em 2019, que contava com uma líder que possuía deficiência visual.

 

  • Ao mesmo tempo que marcas mais diversas estão explorando a potência criativa de seus times para inovar, outras gigantes estão enfrentando processos e lidando com longas gestões de crise de imagem como por exemplo a Disney que teve uma grande ação judicial registrada na corte de Los Angeles por alegação de praticar diferentes faixas salariais entre homens e mulheres.

Em um mundo complexo e incerto, decisões importantes precisam acontecer o tempo todo e exigem um curto tempo de resposta. Sendo assim, lideranças que centralizam em si as tomadas de decisão e que são incapazes em reconhecer seus limites cognitivos estão inviabilizando a transformação ágil e criando ambientes que prejudicam a saúde mental do seu time, de seu negócio como um todo e também de si próprio.

Lideranças afirmativas são aquelas capazes de se compreenderem responsáveis por construir ambientes diversos e inclusivos. E inclusivo não é o mesmo que confortável ou fácil, mas, sim, propiciar ambientes nos quais o protagonismo é da existência diversa.

Portanto, ser afirmativo é ser capaz de dar voz e propiciar espaços para as pessoas se autoafirmarem, desconstruir o arquétipo do governante e atuar mais como um maestro que como um supervisor.

As lideranças afirmativas rompem com o paradigma narcisista que busca a autopromoção e demonstração de autoridade.

Além disso, esse tipo de liderança entende que sua condução será tão forte quanto a soma das afirmações individuais de sua equipe, ou seja, quanto maior a repartição de poder entre todos do grupo, mais forte a liderança.

Empresas que seguirem nutrindo lideranças autocentradas e times pouco diversos pagarão uma conta alta a longo prazo, pois estão:

 

  • Sufocando a potência criativa do grupo;

 

  • Reduzindo tanto a capacidade da equipe lidar com a volatilidade e a incerteza, como também tornando a gestão rígida em torno de modelos que foram eficientes no passado, sem a capacidade de ousar e investir na construção de modelos desafiantes que poderão, no médio a longo prazo, propiciar novas vias de crescimento.

Após acompanhar a SXSW 2022, alguns pontos foram amplamente debatidos e tenho falado bastante sobre a importância das empresas assumirem a empatia como estratégia, da necessidade urgente de construirmos ambientes diversos e inclusivos e de que as lideranças precisam evoluir da consciência para o ativismo.

A transformação da forma de liderar e a ocupação dos espaços por pessoas diversas é um caminho sem volta (felizmente!). Cabe a cada um de nós adotar uma atitude intencional em criar ambientes férteis capazes de catalisar múltiplas vozes e existências.

*Felipe Ladislau é sócio da Organica, aceleradora de pessoas e negócios

 

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Fonte: Exame

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