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Covid-19: cem dias após primeiro caso, Brasil segue longe de estabilizar curva
Passados cem dias desde o primeiro caso de Covid-19 registrado oficialmente no Brasil, o país passa o número de doentes em países como Itália e Espanha no mesmo período. Por ter uma população maior que a dessas nações europeias, a quantidade maior de infectados não espanta pesquisadores, mas outro aspecto chama a atenção de analistas: a curva do Brasil continua com uma inclinação acentuada, sem dar mostras de atingir um platô, como a de outros países demonstravam passados os cem dias do caso inicial.
Membro do grupo de pesquisadores Observatório Covid-19 BR, o físico Vitor Sudbrack acompanha a evolução da pandemia desde o início no Brasil. Ele afirma que o país conseguiu fazer um achatamento da curva, tomando como exemplo a cidade de São Paulo. “Se a gente não tivesse tomado nenhuma ação e a pandemia tivesse se espalhado como nos cinco primeiros dias em São Paulo, o pico na cidade teria sido no início de abril. Ainda não atingimos o pico e ganhamos pelo menos três meses para nos precavermos”, diz.
Esse achatamento é muito diferente em cada Estado e ainda não conteve o crescimento da pandemia, entretanto. “Nossa curva é mais íngreme, o que significa que tem um ritmo maior. Dos maiores países, o tempo de duplicação da doença no Brasil é um dos menores, tem sido em torno de 15 dias. Nos Estados Unidos, já é mais de 50 e a Rússia está páreo a páreo com o Brasil”, explica Sudbrack. Um tempo de duplicação da doença mais curto significa uma ritmo mais acelerado da pandemia. O Brasil tem diminuído esse período: ao final do primeiro mês desde o caso inicial, ele chegava a quatro dias.
“A resposta do Brasil é a mais lenta. O nosso tempo de duplicação de casos aumenta, mas de forma mais devagar que em outros países”, completa Sudbrack. A isso, soma-se a suspeita de subnotificação de casos no Brasil, apontada desde o princípio da pandemia por pesquisadores e estudos nacionais e estrangeiros. Como um dos principais protocolos para testar pessoas no país é examinar pacientes mais graves, os estudiosos não têm noção precisa de quantos infectados realmente existem no país.
“Dos países grandes, somos um dos mais críticos de todos. A Organização Mundial da Saúde já disse que somos o epicentro da pandemia na América Latina, o Brasil é o olho do furacão. Em todos os países há subnotificação, mas nós não estamos fazendo nem testes em massa e nem por amostragem, então fica difícil fazer estimativas”, diz o professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Henrique Duczmal.
Vitor Sudbrack, do Observatório Covid-19 BR, lembra que cada país tem uma política diferente de testagem e foca em determinado grupo para ser testado, o que dificulta comparação entre eles.
Chegada do pico da curva não significa fim da pandemia
O Brasil ainda não atingiu o pico da pandemia, mas passar por ele não quer dizer que os brasileiros estão seguros, explica Sudbrack. “Quando o pico passa não é uma situação de dizer ‘Ufa, agora, bola para a frente’. O pico é uma mola. Você tem que fazer um esforço para segurá-la, porque, quando ela solta, vai para cima e mais gente se infecta. Há essa ideia de que, quando uma grande parcela da população se infectar, teremos uma imunidade de rebanho, mas isso está muito longe de acontecer”, afirma o pesquisador.
Ele aponta que países que estão retornando a um tipo de normalidade, como Itália e Espanha, diminuíram expressivamente o número de infectados por dia, tornando mais fácil rastrear os contatos de cada um. Em um cenário com aumento crescente de doentes, ainda não seria hora de afrouxar o isolamento social no Brasil, defende o pesquisador.
Duczmal, da UFMG, concorda: “Sem isolamento, a curva com certeza estaria maior. Em muitas cidades, houve reação bem rápida, como em Belo Horizonte, que conseguiu achatar bastante a curva, portomar ação quando havia poucos casos. Mas aí chega um prefeito em uma cidade que teve cinco casos e deixa o comércio aberto, a doença se propaga. Quando ele tomar uma medida, já vão ser 500 casos”.
Um estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), contabiliza que até esta quinta-feira (4), o isolamento social já salvou 517 vidas no país, ao diminuir a quantidade de infectados.
E os contrastes históricos entre os Estados brasileiros foram acentuados pela pandemia. Um levantamento da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) mostra que, no terceiro mês da pandemia, completo no final de maio, o Amazonas, por exemplo, tinha uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes quatro vezes maior que a média nacional.
Com colaboração de Pedro Rocha
Fonte: O tempo