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Como as empresas e o movimento negro estão ajudando a Bahia


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Eu não tinha planos de passar este final de ano na Bahia, mas a solidariedade falou mais alto. É difícil ficar longe de meus familiares, depois de um ano tão difícil, o segundo da pandemia. Quando olho para os esforços que a CUFA (Central Única de Favelas), o setor empresarial e lideranças do movimento negro estão fazendo para ajudar as famílias afetadas pelas chuvas no estado, porém, me sinto feliz por estar aqui, ao lado de pessoas de enorme coração e talento para liderar.

Na Bahia, subimos o sarrafo. Juntamos a Band e a Frente Nacional Antirracista, movimento lançado em 2020 com cerca de 600 entidades do movimento negro brasileiro, numa campanha nacional de doações. O resultado foi uma das maiores mobilizações logísticas da história. Em poucos dias, arrecadamos mais de 12 milhões de reais em dinheiro, alimentos e produtos. Em uma semana, esse valor chegará a 20 milhões.

Apesar da nossa experiência logística em lugares de difícil acesso, graças à Favela Log, empresa de logística da Favela Holding, grupo de empresas que lidero, percebemos que o trabalho aqui é enorme e que precisaríamos de ajuda. O número de atingidos pelas chuvas, as maiores em 30 anos, supera 600 mil pessoas e a infraestrutura de logística dos municípios afetados foi muito danificada.

Entramos em contato com duas empresas, que imediatamente se prontificaram a ajudar: a Luft Logística e a Gol Linhas Aérea. Cada uma em sua especialidade (a Luft na logística terrestre e a Gol, na aérea), elas garantiram toda a movimentação das cargas, no que está sendo um dos maiores esforços de logística da história. Coordenando todo esse esforço, está uma menina brilhante, que já é uma das maiores lideranças sociais do país: Tamires Sampaio.

Preta, feminista e nascida em Guaianases, na periferia de São Paulo, Tamires é o expoente de uma nova fase do movimento negro. Ela simplesmente acordou dizendo que o movimento não poderia ficar na condição de pedintes de doação, e que deveria ser protagonista das soluções do seu povo. E lá foi ela para a Bahia, junto com a outra liderança histórica, Ângela Guimarães (UNEGRO), para liderar um movimento histórico com apoio de Marcio Lima, presidente da CUFA Bahia, e Marcivan Barreto, da CUFA São Paulo.

Abro um parêntese aqui para falar do movimento negro. Me conheço como parte dele desde que me descobri como negro. Isso foi em 1997, quando passei a trabalhar com o Racionais MCs. Mergulhei de cabeça no ativismo no ano seguinte, quando o MV Bill me levou para conhecer o Orumilar, um dos grupos afros mais importantes do Brasil, e o Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), coordenado pelo Ivanir dos Santos.

Foi Ivanir que me pegou pela mão e me levou para as passeatas e manifestações de rua. Tudo era muito tenso e eu ainda não enxergava uma saída, até que conheci Flávia Oliveira, uma das minhas maiores referências. Agressiva na medida certa, ela tinha opinião sobre tudo e sempre se posicionava, mas respeitava as diferentes correntes de pensamento e dialogava, sem buscar o monopólio da agenda. Desde então, criamos a CUFA (que tem cotas para brancos há mais de 20 anos), lançamos revistas de preto, apoiamos a criação de um partido de pretos, entre outras iniciativas.

A Frente Nacional Antirracista, parte do movimento negro, é resultado da luta de gente experiente, como Karla recife, Prezo Zezé, Frei David, Anderson do Jornal Empoderado, Edson franca, Rapper Renegado, Priscila França, Adriana Martins (MNU-RJ), Cláudia Vitalino, Rosangela Oliveira, Alex Minduim Letícia Gabriella, e os professores Dennis de Oliveira e Silvio Almeida, dois dos mais respeitados intelectuais negros da atualidade. O interessante disso tudo é esses nomes que fizeram tanta história e prestaram tantos serviços à sociedade, deram um passo para atrás, entregaram o leme para a Tamires Sampaio e disseram: “vai nega, toca o barco”. E a nega e seu time estão fazendo historia.

Um detalhe é que, na minha percepção, ninguém deu o Leme para ela. Na verdade, ela o tomou de assalto por conhecer o seu talento, exatamente como aquela jogadora que pega a bola e chama a responsabilidade na hora do pênalti. Por isso digo que a partir de hoje eu sou do time Tamires, Tamires Sampaio. Como cantou minha madrinha Leci Brandão, outra grande referência do movimento negro, “Está nascendo um novo líder, No morro do Pau da Bandeira.”

Zé do Caroço – Leci Brandão

No serviço de alto-falante
Do morro do Pau da Bandeira
Quem avisa é o Zé do Caroço
Que amanhã vai fazer alvoroço
Alertando a favela inteira
Como eu queria que fosse em Mangueira

Que existisse outro Zé do Caroço (Caroço, Caroço)
Pra dizer de uma vez pra esse moço
Carnaval não é esse colosso
Nossa escola é raiz, é madeira
Mas é o Morro do Pau da Bandeira
De uma Vila Isabel verdadeira
Que o Zé do Caroço trabalha
Que o Zé do Caroço batalha
E que malha o preço da feira
E na hora que a televisão brasileira

Distrai toda gente com a sua novela
É que o Zé põe a boca no mundo
É que faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
Está nascendo um novo líder
No morro do Pau da Bandeira
No morro do Pau da Bandeira
No morro do Pau da Bandeira

Fonte: Exame

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