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Assalto em Araçatuba: o que têm em comum as cidades atacadas pelos crimes do ‘Novo Cangaço’


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Dezenas de homens fortemente armados com fuzis, coletes à prova de balas, carros blindados e usando pessoas como escudo humano, protagonizam cenas cinematográficas de roubos a bancos em cidades do interior. As cenas de terror, que muitas vezes terminaram em mortes, se tornaram frequentes no Brasil.

A última delas foi na madrugada de segunda-feira (30/08), em Araçatuba, no interior de São Paulo. Na ocorrência, que terminou com ao menos três pessoas mortas — dois moradores e um suspeito de participar do crime — contou até mesmo com a instalação de 40 explosivos com acionamento por meio de detectores de calor e movimento.

A ação, que começou por volta da meia-noite e terminou cerca de duas horas depois, teve o uso de drones, para monitorar a chegada da polícia, e veículos incendiados em rodovias para dificultar o acesso aos locais dos crimes.

Os bandidos invadiram duas agências em Araçatuba. Uma delas, que funciona como tesouraria regional, teve o cofre, no subterrâneo, invadido pelos assaltantes. Na segunda, os criminosos explodiram caixas eletrônicos. O valor levado pela quadrilha não foi informado pela polícia.

Mas como essas cidades são escolhidas pelos criminosos?

Especialistas em Segurança Pública ouvidos pela BBC News Brasil explicam que diversos fatores são levados em conta pelas quadrilhas do “Novo Cangaço”.

Muito dinheiro e pouco policiamento

O primeiro deles é o efetivo e a estrutura policial da cidade e região onde será feito o ataque. De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, dificilmente um roubo como esse será feito numa metrópole, como São Paulo ou Rio de Janeiro.

Isso porque as grandes cidades possuem batalhões de elite, preparados para atuar em situações como essa, por exemplo, as Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota, em São Paulo) e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope, no Rio).

Os assaltantes também procuram locais onde estão armazenadas grandes quantidades de dinheiro, como transportadoras de valores ou agências estratégicas, como a atacada em Araraquara, que servia de tesouraria para toda a região.

Analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi disse que esse crime, conhecido como “Novo Cangaço”, começou no Nordeste, com bandidos roubando regiões com mineradoras.

“Eles atacavam a cidade, prendiam a polícia e iam embora. Isso acontecia em cidades pequenas, distantes de tudo. Depois, vieram para atacar transportadoras de valores no Sudeste e no Paraguai. Depois de certo tempo, o custo-benefício desses assaltos passou a não valer mais a pena porque as empresas aumentaram a segurança”, disse Mingardi.

Policiais durante assalto no interior paulista

CRÉDITO,REPRODUÇÃO

Legenda da foto,Durante assalto em Botucatu, no ano passado, bandidos trocaram tiros com a polícia durante cerca de três horas

Rotas de fuga

Outro ponto analisado pelas quadrilhas para definir os alvos dos ataques são as rotas de fuga. Geralmente são cidades de porte médio, com três ou quatro grandes rodovias usadas como rotas de fuga.

“Os criminosos chegam em 30 ou 40 pessoas fortemente armadas. Eles fecham alguns acessos com veículos incendiados e, até a chegada de um efetivo policial razoável para intervir, eles já encerraram a ação e fugiram por algumas dessas vias”, diz Mingardi.

No roubo em Araçatuba, os criminosos abandonaram os carros blindados usados no crime em uma área rural da cidade e continuaram a fuga em outros veículos.

Facilidade de atuação

Para Mingardi, é muito difícil evitar um roubo, mas a atuação desses criminosos é possibilitada pela ausência de uma investigação aprofundada, que identifique e prenda os criminosos que planejam e são especialistas nesses ataques.

O analista criminal explica que cada quadrilha tem ao menos quatro pessoas que já participaram de outros assaltos do tipo. Alguns aprenderam a fazer esses assaltos durante o período em que ficaram presos, mas ele reforça que, para aprender, é necessário fazer.

“Evitar não dá. Se você coloca polícia em uma esquina, na outra fica sem. Tem que ter um grande contingente para contra-atacar, então fica difícil. A polícia tem que aprender a investigar esse crime, como aconteceu com o antigo sequestro nos anos 1990. A polícia foi criando uma rede de informante e elaborando técnicas para analisar e monitorar os suspeitos”, afirmou Mingardi.

Ele disse que identificar, rastrear e prender os principais especialistas de cada quadrilha inviabiliza novas ações porque encarece o assalto e diminui as chances de sucesso. Mingardi diz, por exemplo, que há poucos especialistas em explosivos e monitorá-los pode sufocar esse tipo de assalto.

Ao ser questionado sobre a possível participação da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) nesses crimes, Mingardi diz que não deve ser uma ação direta do grupo criminoso, mas de alguns membros ou pessoas ligadas a eles.

Segundo ele, os criminosos que participam desses crimes são “irmãos”, como a facção chama os membros batizados por eles ou “primos” — quando têm algum vínculo, mas não pertencem. O analista explica que o armamento pesado é geralmente alugado ou emprestado pelo PCC em troca de uma fatia do lucro do assalto.

A Secretaria da Segurança Pública informou que apenas em 2021 foram apreendidos 79 fuzis em São Paulo. Em todo o ano de 2020, foram 150.

Arame farpado em penitenciária

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,Para especialistas em segurança pública, o modus operandi desse tipo de ação em SP se assemelha ao chamado ‘novo cangaço’

Rastro de destruição

Os crimes cometidos pelo “Novo Cangaço” deixam um rastro de destruição nas cidades onde eles ocorrem. De acordo com a polícia, uma das pessoas mortas em Araçatuba na última madrugada saiu de casa para fazer uma transmissão ao vivo do mega-assalto pelas redes sociais.

Mas, além das mortes e traumas psicológicos causados pelas horas de terror vividas pelos moradores, a estrutura e serviços da cidade também são afetados.

Depois do crime em Araçatuba, as aulas e até mesmo o transporte público da cidade foram suspensos. A polícia orientou que toda a população do município permanecesse em casa até que os locais onde ocorreram os crimes fossem periciados, e que os 40 explosivos deixados pelos bandidos fossem detonados ou desativados.

Em abril de 2021, um ataque do “Novo Cangaço” ocorreu em Mococa, no interior de São Paulo. Em dezembro, duas agências foram atacadas em Araraquara, também no interior paulista. Na ocasião, dois veículos foram incendiados.

Em julho de 2020, três agências foram atacadas em Botucatu, no interior de São Paulo. Na época, dois policiais militares ficaram feridos e um suspeito foi morto.

Ações semelhantes também aconteceram em outros Estados. Em dezembro de 2020, cerca de 40 homens fortemente armados atacaram uma agência bancária em Criciúma, interior de Santa Catarina. Na ocasião, houve troca de tiros e um policial ficou ferido.

‘Novo Cangaço’

Esse tipo de assalto — quando um grupo criminoso toma o controle de uma pequena cidade para roubar — não é novo no Brasil. No início do século passado, Lampião e seu bando de cangaceiros ganhavam a vida praticando saques semelhantes.

No final dos anos 1990, surgiu o chamado “Novo Cangaço”, quando grupos de criminosos passaram a invadir cidades do sertão nordestino (municípios carentes de efetivo policial) para saquear bancos e carros-fortes. As ações, bastante violentas, terminavam em tiroteios e mortes de policiais e civis inocentes.

O principal líder do “Novo Cangaço” era José Valdetário Benevides Carneiro, que comandou dezenas de ações cinematográficas pelo Rio Grande do Norte — ele morreu em 2003 durante um confronto com a polícia.

Em um dos roubos comandados por Valdetário, na cidade de Macau, o delegado Antonio Teixeira Jr. sentiu na pele a violência do grupo.

“Soubemos que haveria um ataque. O grupo de Valdetário roubou três bancos. Quando saímos do batalhão da PM, ouvimos os tiros. Levei três tiros: um no braço, um na perna e outro de raspão no rosto”, diz Teixeira Jr, delegado há 23 anos — na época ele era o titular da delegacia regional de Macau.

Para Thadeu Brandão, coordenador do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (Obvio) e professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, existem semelhanças entre o “Novo Cangaço” e os recentes assaltos a cidades do Sudeste, embora elas sejam mais sobre procedimentos do que a respeito do perfil dos criminosos.

“O Novo Cangaço era mais ligado a um ciclo de vinganças, conflitos familiares e de justiçamento em relação à atuação da polícia. Valdetário chegava a distribuir dinheiro para algumas pessoas. Hoje, apesar do modus operandi dos roubos ser parecido, o tipo de criminoso e o objetivo do assalto são bem diferentes daquela época”, explica.

“O criminoso de agora pensa principalmente no dinheiro, quer roubar para ficar rico e andar de carro de luxo. É diferente do Novo Cangaço (que deu origem), quando havia até uma espécie de busca da honra por meio dos crimes. Hoje, o matador é mais profissional: mata mais pelo dinheiro.”

Nas raízes do cangaço original, que consagrou figuras como Lampião na história do país, também estava um elemento de revolta contra o coronelismo, o descaso do poder público e as injustiças sociais no Nordeste. Apesar de terem deixado um rastro de morte e terror em várias cidades, eram vistos por parte da população como heróis.

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