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Rondônia, domingo, 22 de setembro de 2024.




Nacional

Na política externa, Brasil joga na defensiva e perde oportunidade — sobretudo na agenda climática


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O cientista político Ricardo Sennes não é novo na análise do cenário político e de relações externas do Brasil. Diretor da Prospectiva Public Affairs, presente em diversos países e com foco em construir cenários políticos para empresas, Sennes avalia que o Brasil precisa parar de jogar “defensivamente” em sua política externa.

“O Brasil morre de medo do cenário internacional e joga na negativa. Isso vale para a região [América do Sul], para a China, a Europa”, diz Sennes durante entrevista ao Canal UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, realizada em parceria com EXAME. “O Brasil basicamente fala: ‘não quero assinar nada’ e está ficando para trás.”

Veja a íntegra da entrevista

O cientista político se entusiasma com as possibilidades diplomáticas do Brasil em temas como mudanças climáticas e transição energética. “Aí nos parece haver um espaço que cabe muito ao Brasil ser um protagonista global. Se a gente combinar questão climática com questão, por exemplo, de segurança alimentar são duas agendas que não tem como se negociar no mundo sem passar pelo Brasil”, diz.

Ele se refere à Rio92, quando o Brasil foi um dos países que pensou no mecanismo de desenvolvimento limpo de carbono. “Essa é uma diplomacia que tem tudo a ver com o país. Tem a ver com os nossos recursos de barganha”, afirma.

É uma oportunidade de o país inovar do ponto de vista da costura política e das formulações dos acordos internacionais. “A gente tem que ajudar a desenhar esses acordos”, diz. “Essa aliança dos grandes países de floresta tropical, por exemplo. Vamos pegar esses núcleos desses países no sudeste asiático, no centro africano. Talvez aí você tenha — mal comparando — uma espécie de um OPEP das florestas tropicais.”

Para ele, muito mais do que Rússia e Ucrânia, a diplomacia brasileira deveria focar nesse protagonismo para as mudanças climáticas e nas questões regionais — essenciais à segurança nacional. “Tudo que tiver de recurso do governo, de Itamaraty e ministérios, tudo que você tiver de relevante no Congresso, nós vamos jogar 70% para um grande acordo de climático e os 30% restantes nós vamos redesenhar agenda regional”, diz, projetando um cenário ideal em sua avaliação. “O resto você pode jogar na reativa. Mas tem temas que a gente pode ser propositivo com poder de barganha com capacidade de liderar.”

Lula 3 – como é a política externa?

Para Sennes, as ideias do predominantes do segundo mandato de Lula, de 2006 a 2010, seguem vigindo na política externa. “Principalmente porque o principal assessor e quem montou a área internacional é o Celso Amorim”, diz. “Não é um ministro, mas ele é a figura, uma ‘eminência parda’ ali que mais ou menos indicou o ministro [das Relações Exteriores] e a Secretaria Geral e pauta bastante os temas do Lula.”

Em sua avaliação, porém, o governo é hoje mais fraco do que era na época e o mundo, muito diferente. “Então parece que são velhas ideias para um mundo novo e para uma configuração de poder muito nova. Os desafios econômicos do Brasil hoje são diferentes do que eram há 15 anos. A situação da região da América Latina, a situação de China e Estados Unidos e a questão tecnológica que entrou no eixo da nova geopolítica do mundo é estava colocada lá trás. O Lula está tendo respostas, ou pelo menos algumas iniciativas no campo internacional, que não estão conversando muito com os desafios atuais do país e do e do globo.”

Relação com a Argentina e América do Sul

O governo Lula já recebeu cinco vezes o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, no país e anunciou diversas medidas econômicas para auxiliar os vizinhos. Mas resta a dúvida: o que o Brasil ganha nessa interação aprofundada? Sennes avalia que a “politização” do tema é “equivocada e mal-feita”. Afinal, trata-se de um tema de geopolítica “natural” ter uma política para conviver com países vizinhos. “O potencial está dado. Esse semestre estive na Argentina, no Paraguai, na Bolívia, na Colômbia e no México. É impressionante a identidade do ponto de vista socioeconômico e cultural, a natureza dos contratos… é tudo muito próximo”, afirma. “Então há um espaço de ganho econômico.”

Uma área a ser explorada é o setor de energia. “Essa região é uma potência energética e a gente tem uma matriz energética totalmente isolada. Até pouco tempo atrás, o Brasil usava gás natural em 10% a 12% por cento da matriz. A Argentina tinha 60%. Eles certamente estavam botando gás natural para coisa que não valia a pena e nós não estamos deixando de usar gás natural.”

“Acho que o Lula não tá com uma agenda moderna suficiente. Esa relação com a Argentina é importante, mas eu acho que o Brasil não está com condição de oferecer. Simbolicamente é importante, não vejo nenhum problema ter cinco reuniões com o presidente argentino. Vejo problema na pauta, que é antiga. Talvez se oferecer o Real regionalmente seja muito mais interessante do que pensar em moedas comum, fazer umas “clearings” regionais, que a gente pode usar as bolsas eletrônicas, fazer um mercado digital regional. Pode chamar o setor privado para ajudar. A gente tem muito ganho ainda para capturar, mas acho que infelizmente os grupos que hoje olham a questão Regional estão olhando para duas agendas ultrapassadas.”

Para Sennes, a derrocada — ou não — da economia argentina é assunto estratégico não só para o Brasil, mas para Paraguai, Chile, Uruguai, Bolívia. “A Argentina é uma potência econômica que está se desfazendo há décadas mas ainda segue com papel econômico importante para o Brasil”, diz. “Não dá para brincar com esse tema. É interesse estratégico do Brasil a Argentina não colapsar, como nos anos 2000.”

Ele lembra que, na ocasião, a moeda desapareceu, após a criação de um imposto conhecido como “corralito” pelo então presidente Fernando De La Rúa para evitar a retirada de depósitos em contas correntes e poupanças. Apesar disso, avalia, o Brasil tem poucos instrumentos para “realmente conseguir fazer uma diferença para a Argentina nesse momento”.

Venezuela e o excesso

Nessa toada, o cientista político não poupa críticas à recepção de Lula a Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, em maio deste ano. “Foi um sinal completamente fora do padrão, inclusive para um país que estava saindo de uma ameaça de um golpe — que eu acho que foi real ameaça”, afirma, referindo ao 8 de janeiro. “Em um cenário desse, o presidente Lula estender o tapete para Maduro me parece uma contradição tão óbvia… Como é que o presidente vai ser um sujeito que vai defender as funcionalidades democráticas recebendo um sujeito com esse histórico?”

Naturalmente, as declarações de Lula geraram reações de outros presidentes da região, como os presidentes do Chile, Gabriel Boric, de centro-esquerda, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, de centro-direita, que criticaram a defesa do regime venezuelano feita pelo presidente brasileiro. “Não entendo [a recepção] a não ser como um jogo político doméstico para o PT ou para a esquerda. Esse namoro de Lula com Maduro, com Cuba… Eu não consigo ver ganho material ganho político ganha econômico. É só desgaste.”, afirma o diretor da Prospectiva.

Para Sennes, essas demonstrações fazem parte de uma “cabeça um pouco envelhecida” do atual presidente, em temas superados.

EUA e China — e o Brasil

Para o diretor da Prospectiva, um dos maiores desafios da política externa nacional será equilibrar a disputa global mais importante, entre Estados Unidos e China. “Não é fácil um país como o Brasil se posicionar nesse processo porque temos aliados em todos os lados”, diz. “Quando o jogo se divide não é trivial escolher um lado. Eu acho que o Brasil está um pouquinho condenado a ter que ficar fazendo um jogo meio intermediário entre esses dois atores.”

O grande risco desse “papel intermediário” é, em sua opinião, sair de “mãos vazias”. Para ele, a recente visita de Lula — e uma grande comitiva de empresários e políticos — à China foi positiva. “Ele fez um gesto que eu achei simbolicamente forte que ele não assinou o acordo do Silk Road”, afirma Sennes, em referência à pressão chinesa por uma adesão brasileira ao acordo da “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative, BRI, na sigla em inglês).

Por outro lado, ele considera a ida aos EUA mais protocolar. “O Lula vai nos Estados Unidos e faz uma agenda muito vazia, quase protocolar. Mas a visita foi logo após o oito de janeiro, onde os Estados Unidos tiveram um papel positivo”, diz, referindo ao rápido reconhecimento do país à vitória de Lula nas últimas eleições.

Segundo ele, o Brasil precisa explorar mais formas de cooperar com os americanos. Uma possibilidade seria tentar aproveitar legislações como o CHIPS Act, no qual o governo de Biden oferecerá US$ 280 bilhões para novas tecnologias de semicondutores.

“Recentemente, participei junto com algumas empresas parceiras de uma conversa sobre essa política. Tem muito espaço para o Brasil — em relação ao que a gente tem hoje. Temos muito a ganhar sem necessariamente fazer nenhuma afronta com China”, diz, ressaltando que também há espaço para crescer a cooperação com a China sem afronta os EUA.

Isso sem contar o fortalecimento bilateral com outros países, como Índia ou Indonésia. “São países que, não sei por que, estão fora do radar do Brasil. São países gigantes, com dinamismo econômico gigante e a gente não olha”, afirma. “Tem uma parte do mundo que a gente simplesmente não olha. Mesmo com a nossa agenda ficando nesse meio termo que eu acho que nós somos condenados a ficar, eu acho que ainda assim tem muito ganho que a gente não consegue tirar.”

Ao mesmo tempo, ele avalia, a Europa está sempre no diálogo internacional brasileiro. Sobre o principal tema na agenda com os europeus, o acordo entre União Europeia e o Mercosul, Sennes enxerga um alinhamento “muito interessante” de Lula com as maiores lideranças europeias. “Me falam assim: ‘se não for agora não sai nunca'”, diz. “Essa é uma agenda que está deixando de ser agenda da esquerda, da direita e se tornando uma agenda um pouco obrigatória. O Brasil não tem um acordo internacional relevante faz uns 20 anos, 25 anos.”

Ucrânia e Rússia e o intermédio de paz de Lula

Questionado se faz sentido para o Brasil tentar exercer um papel de intermediador no conflito entre Ucrânia e Rússia, Sennes é tachativo. “Não faz sentido. Você pode ter um
papel de, entre os vários países do mundo, ser a favor da paz. Agora, numa negociação num conflito dessa natureza, que papel o Brasil pode ter no jogo? A gente não tem nem informação suficiente para saber o que está acontecendo”, afirma. “Você não negocia um acordo de paz sem ser o cara mais informado da mesa. A gente não consegue fazer uma mediação interessante aqui na Bolívia, não conseguiu fazer na Venezuela. Como é que a gente vai conseguir fazer na Ucrânia e Rússia?”

Em sua avaliação, é preciso muita lição de casa no nosso entorno antes de fazer esse tipo de intermediação.

Fonte: Exame

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