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Motorista que só leva mulheres dá flagras em motéis e ajuda a largar ‘embuste’
“Quer fugir de casa? Me liga que eu te levo. Tá bêbada, depois da balada, jogada na estrada? Me liga. Meu trabalho é para que mulheres, senhoras e meninas saibam que elas têm alguém para contar” – é assim que Elizandra Regina de Cândido, de 47 anos, conhecida como “Eli Laços” em São Vicente, no interior de São Paulo, descreve sua rotina como motorista particular. Ela, que desde maio de 2021 fornece o serviço na cidade somente a mulheres, viralizou no último sábado (26) após uma publicação que fez no Facebook ter milhares de compartillhamentos.
“Para MENINAS que têm receio de ser transportada por homens. Vai para a igreja, macumba, seita, reuniões? Quer curtir a praia, piscina e cachoeira? Está desconfiada do crush? Nós seguimos! Vai fugir de casa e largar o embuste? Ajudo retirar suas coisas. Precisa retirar exames, documentos, encomendas ou mercadorias (retiro e entrego)? Quer esperar o marido na frente do motel? Te levo e ainda espero o bonito sair”, diz o texto
Apesar do tom jocoso, Eli fala sério – Ela já levou uma cliente para realizar um despacho na estrada, já foi com uma amiga até um motel onde o ex-marido dela foi flagrado com uma amante, e, semanalmente, carrega para lá e para cá cerca de cem mulheres por onde precisarem passar.
Antes de trabalhar como motorista particular, Eli era conhecida na cidade por produzir laços. Dentre parcerias com a prefeitura, escolas particulares e uma penca de clientes, ela conta que chegou a “ganhar muito dinheiro” com o ofício, que começou a exercer há seis ano, mas que, durante a pandemia de Covid-19, perdeu grande parte da renda da noite para o dia.
“A pandemia me quebrou, fechou tudo da noite para o dia. O que eu ia fazer? O que eu fazia não era uma necessidade. Meu carro estava parado na garagem, mas nunca tinha cogitado trabalhar como motorista. Na época, abri um disque-lanche com minha filha, que começou a explodir, mas ficávamos muito reféns dos motoboys. Um dia eu cansei de ficar refém e fechamos tudo. Pouco depois, minha avó falou para eu tentar trabalhar para aplicativos de transporte. Falei que meu carro está velho, é de 2011, não aceitam”, conta.
“Um dia, minha vó me ligou perguntando se eu poderia fazer uma compra. Eu não tinha dinheiro nem para gasolina. Ela disse que me mandava dinheiro, pagava a gasolina e ainda me pegava um ‘dinheirinho’. Coisa de avó. Minha família sabia da minha situação, e começaram a me pedir, também, e me dar um dinheirinho. Acabou que foi se alastrando para os amigos, para as amigas. Eu tenho uma filha de 30 anos, que vai para a balada. Ouvi elas comentando um dia sobre medo de pegar Uber. A filha da minha amiga perguntou se ela poderia levar a gente. ‘Se vamos pagar o Uber, a gente paga a senhora’, disse. Minha vida começou assim”, continua.
A ideia foi, desde o início, só atender mulheres. A clientela, hoje, abrange um público muito distinto – desde senhoras que precisam sair de casa a mães que precisam levar os filhos à escola, ou enfermeiras que passam madrugadas nos plantões em instituições de saúde.
“Comecei a trabalhar porque a mulherada tem medo. Vou te buscar na hora que você quer. Combino qualquer hora. Vi um post que era a minha cara, e publiquei no Facebook algo parecido. Foi um presente do universo esse post. Copiei, pus a minha foto, e viralizou. Não imaginei que fosse ter essa proporção, fiz na intenção de humanizar o serviço. As pessoas têm medo. Juntou o útil ao agradável. Trabalho pensando nas seguranças das moças, senhoras, crianças”, agradece. O sucesso fez com que Eli precise, até, comprar um novo chip para o celular. As ligações, explicou, não param. “Não dá mais!”, brinca. “E graças a Deus!”, acrescenta.
Fonte: O tempo