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Rondônia, quarta, 09 de outubro de 2024.




Nacional

Com profusão de pronunciamentos, governo prefere comunicação de mão única


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Ao mesmo tempo em que falam muito, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus ministros dialogam pouco com a sociedade brasileira. A estratégia de comunicação adotada pela gestão federal, segundo especialistas ouvidas pela reportagem de O Tempo, tem a característica de ser uma espécie de conversa de mão única, focada em passar ideias sem abrir espaço para o contraditório.

A quantidade de falas é valorizada por autoridades como o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que disse, em discurso feito em maio deste ano, que Bolsonaro “é o presidente das comunicações” e que “ninguém se comunica no país ou até no mundo” como ele.

A valorização da comunicação governamental via internet também é uma constante nos discursos de Faria. Na semana em que o governo completou mil dias, o ministro foi a Pau dos Ferros, município de seu estado, o Rio Grande do Norte, anunciar a entrega de infraestrutura para digitalização da TV. Na ocasião, ressaltou que Jair Bolsonaro “foi eleito pela internet” e lhe deu a missão, quando recriou o Ministério das Comunicações, de levar internet para os mais de 40 milhões de brasileiros que vivem “no deserto digital”, um bordão do ministro. 

Frequência de pronunciamentos 

Além dos discursos em eventos no Planalto ou em cerimônias realizadas em cidades estratégicas para o governo, os ministros de Bolsonaro têm feito frequentemente pronunciamentos em rede nacional de rádio e TV. Desde 2019, os ministros de Bolsonaro usaram 10 vezes o recurso do pronunciamento oficial obrigatório para informar os brasileiros sobre temas relativos a suas respectivas pastas. Já Bolsonaro recorreu ao mesmo espaço 14 vezes em pouco mais de dois anos e meio de governo. 

Embora o ministro das Comunicações considere que Bolsonaro é o presidente que “mais se comunica”, pesquisadoras e professoras da área de comunicação pública avaliam que a estratégia pode representar uma transgressão ao sentido da comunicação pública.

As especialistas coincidem na avaliação de que o governo Bolsonaro, como um todo, dá preferência para uma comunicação controlada em detrimento do diálogo, da transparência e da impessoalidade, que são princípios da comunicação pública numa democracia. 

De acordo com Cláudia Lemos, presidente da ABCPública (Associação Brasileira de Comunicação Pública), professora e pesquisadora do Programa de Mestrado Profissional em Poder Legislativo do Centro de Formação da Câmara dos Deputados, não é um problema que o governo acione ministros como porta-vozes em assuntos relativos às pastas. 
No entanto, a especialista observa que o governo privilegia situações onde escapa das críticas e do contraditório, inclusive quando privilegia veículos de comunicação favoráveis ao governo em detrimento de outros para conceder entrevistas.  

“Assim evita-se uma rotina mais transparente que inclua, por exemplo, responder os pedidos de informação dos jornalistas e realizar entrevistas coletivas regulares, em que repórteres de qualquer veículo, e não apenas de veículos escolhidos, possam fazer questionamentos. Também parece haver uma banalização do recurso ao pronunciamento, que diminui sua força”, observa a pesquisadora. 

Com perspectiva semelhante, Maria Helena Weber, professora de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista e pesquisadora da comunicação pública, destaca que a estratégia de recorrer aos ministros para fazer pronunciamentos em rede nacional se aproxima mais da propaganda política do que do exercício do interesse público.

“Esse pode ser o governo que mais fala, mas há uma problematização se é o governo que mais se comunica com o público. Falta debate público, respeito à imprensa e diálogo com diferentes setores da sociedade, que não se restringe aos apoiadores e ao cercadinho do Alvorada. O governo pode ser criticado nesse sentido, no formato da sua comunicação”, considera a comunicóloga.

Discursos de ordem privada

Para Weber, a comunicação pública se constitui de normas que não são seguidas pelo governo, pois mesmo quando faz as lives semanais ou quando interage com perfis nas redes sociais, o governo privilegia discursos preparados e de ordem privada. “A comunicação do governo revela que não há uma compreensão do que é a comunicação pública. Enquanto o presidente faz declarações contra a vacinação, permeando outros ministros, vem uma campanha do Ministério da Saúde pela vacinação, então também não há coerência sobre os temas de interesse público”, nota a especialista. 

Ainda nesta linha de análise, Lemos reforça que o governo se omite e até mesmo divulga desinformação em assuntos relevantes para a população, além de geralmente reagir somente quando a pressão por respostas do governo aumenta. 

“Do ponto de vista da comunicação pública, que se concentra no interesse do cidadão e no dever do Estado de informar, é negativo o presidente se omitir ou, pior, divulgar informações desencontradas e mesmo falsas sobre assuntos relevantes como a pandemia.” 

Transparência e impessoalidade 

A especialista pondera que é comum que a comunicação de governos tenha estrategicamente uma preocupação com a imagem do governante e de sua gestão, porém não se pode descartar os princípios democráticos e constitucionais da comunicação pública, como transparência e impessoalidade.

“O cumprimento desses princípios vem sendo cobrado de todos os governos e vínhamos obtendo progressos: por exemplo, mais dados disponíveis nos sites e respostas a solicitações feitas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O que vemos agora infelizmente são recuos, menos transparência, menos disposição para o diálogo”, avalia Lemos. 

Comunicação autoritária 

Sobre esses recuos, Weber considera que a estratégia de comunicação do governo Bolsonaro é autoritária e semelhante à utilizada pelo regime militar. “O regime militar também usava a palavra ‘comunicação’, que era tudo o que não existia diante da censura à imprensa, às artes e à comunidade intelectual, com aparatos repressivos e perseguições a opositores. O que eles chamavam de comunicação era uma política de propaganda.”

Ainda de acordo com a pesquisadora, a comunicação pública é um indicador da qualidade das democracias. “Quanto mais os políticos cumprem os objetivos relacionados aos interesses públicos por meio da comunicação, maior é a qualidade da democracia”, explica Weber. 

“Em regimes contrários à democracia, como os fascistas, existe essa concepção de falar diretamente com determinados grupos da população, escolhidos estrategicamente. Para eles, não há necessidade de instituições que fazem a mediação e que são próprias de repúblicas democráticas, como a mediação feita pela imprensa, pela sociedade organizada, pela universidade, por todas as instâncias que formam um Estado democrático”, acrescenta.

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Fonte: O tempo

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