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Rondônia, sexta, 11 de outubro de 2024.




Nacional

Campanha mais prejudicada pela guerra é a de Bolsonaro, avaliam especialistas


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Após quase dois anos atentos à pandemia do coronavírus, os olhos dos brasileiros agora estão voltados para a guerra iniciada pela Rússia contra a Ucrânia há duas semanas. Justamente por isso, esse já é um dos temas explorados pelos candidatos às eleições de outubro deste ano, sobretudo os presidenciáveis.

Os dois mais bem colocados na disputa eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo as pesquisas de intenção de voto, também são os que mais serão cobrados por seus posicionamentos diante da guerra, segundo análise de especialistas consultados pela reportagem de O TEMPO

Aliados do presidente Bolsonaro já perceberam que ele se desgasta eleitoralmente quando manifesta opiniões inclinadas a favor da Rússia, ainda mais diante das cenas e relatos diários de ucranianos sofrendo os ataques das tropas militares russas.

Por sua vez, o PT tentou disfarçar o deslize de ter publicado uma nota da bancada do Senado responsabilizando os Estados Unidos pela invasão da Rússia na Ucrânia. A nota foi apagada pouco tempo depois de ter sido publicada nas redes sociais do partido. 

No entanto, na avaliação do cientista político Julián Durazo-Herrmann, o problema criado pela legenda para a campanha lulista é “de curto prazo”. 

“Isso tende a ser esquecido porque o PT vai ser cobrado por muitas outras coisas, como as relações estreitas do partido com a Venezuela, Nicarágua e Cuba, isso vai provocar mais problemas para o PT, como ocorreu em 2018. O partido nunca quis criticar esses governos autoritários de esquerda”, observa. 

“Mesmo se a guerra continuar até setembro ou outubro, o PT tem mais chances do que Bolsonaro de driblar pelo menos essa questão da Rússia”, acrescenta o professor e pesquisador de política comparada da América Latina pela Universidade do Quebec em Montreal (UQAM), no Canadá.

Com uma perspectiva semelhante, Guilherme Casarões, cientista político e especialista em relações internacionais, reforça que o posicionamento de Bolsonaro frente à guerra poderá ser uma das desvantagens exploradas pelos outros candidatos nas eleições. 

“Estamos no calor do momento, as pessoas só falam da guerra. Mas lá em outubro, dificilmente essas questões vão ser lembradas como centrais para as campanhas dos candidatos. Agora, para o Bolsonaro é diferente. Os outros candidatos vão poder bater nisso, porque ele está errático do ponto de vista eleitoral e diplomático”, nota o professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e integrante do grupo de pesquisa Observatório da Extrema Direita. 

Como Bolsonaro tem se posicionado sobre a guerra até o momento? 

Ao longo da última semana, enquanto o presidente russo Vladimir Putin ordenava bombardeios a prédios públicos e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ia à TV nacional e internacional declarar que continuaria resistindo, criticando ao mesmo tempo os países ocidentais por não terem aplicado sanções para frear as investidas de Putin, Bolsonaro e o alto escalão do governo federal fizeram declarações desencontradas sobre o assunto.

O presidente chegou a desautorizar o posicionamento do vice, general Hamilton Mourão (PRTB), durante a transmissão da tradicional live das quintas. Bolsonaro ficou insatisfeito com a iniciativa do vice, que condenou as ações russas e comparou Putin ao líder da Alemanha nazista, Adolf Hitler. 

No domingo passado, dia 27, Bolsonaro ainda declarou a jornalistas que optou pela posição neutra, mas defendeu Vladimir Putin, alegando que ele não estava cometendo um massacre e criticou a escolha dos ucranianos pelo presidente Volodymyr Zelensky.

Ao ser provocado por uma jornalista durante coletiva de imprensa convocada por si mesmo no Guarujá, no litoral paulista, onde tirou dias de folga para passear de jet ski e cumprimentar apoiadores, o presidente disse que Putin estaria “desempenhando ali”, sem completar o raciocínio, e citou as regiões reconhecidas por Putin como independentes e dominadas por rebeldes pró-Rússia no leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk. 

“Você [a jornalista] está exagerando a palavra massacre. Não há interesse por parte de um chefe de Estado como o da Rússia praticar um massacre onde quer que seja. Ele está desempenhando ali… em duas regiões da Ucrânia que, em referendo, em média 90% da população quis se tornar independente e se aproximar da Rússia. É isso que está acontecendo”, afirmou Bolsonaro.

O referendo mencionado foi convocado e conduzido pelos grupos separatistas apoiados por Moscou, às vésperas das eleições presidenciais ucranianas, em maio de 2014.

Naquela ocasião, segundo informações dos próprios grupos separatistas, divulgadas pela BBC, a participação eleitoral chegou a 70% e desse total, 89% dos que votaram em Donetsk foram favoráveis à independência, e 10% foram contra. Em Luhansk, 96,2% foram a favor da independência.

Ainda nessa entrevista coletiva, após nova pergunta da mesma jornalista, Bolsonaro reiterou que o povo ucraniano não está sendo massacrado pelos russos, que “equipamento de guerra é para matar” e acrescentou ainda que os ucranianos confiaram “a um comediante o destino da nação”. 

“Equipamento de guerra é para matar. E daí, você quer que eu fale o que? ‘Ô presidente, faça isso, faça aquilo?’. O Zelensky, que é um comediante, que foi eleito presidente da Ucrânia, acho que o povo confiou nele traçar o destino de uma nação. Confiou num comediante o destino de uma nação.”

Na última live, da quinta-feira (3), o presidente decidiu manter a posição de neutralidade, indo na contramão do que tem defendido a diplomacia brasileira na Assembleia-Geral e Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), a qual condenou e votou a favor de resoluções contra Moscou.

Efeitos da cacofonia de posicionamentos no governo sobre a guerra

“A base bolsonarista está dividida sobre o posicionamento adotado diante da guerra, porque há por um lado aqueles que estão defendendo o Ocidente e a Ucrânia, acham um absurdo Bolsonaro ter demonstrado simpatia por Putin. Por outro lado, existe a construção da narrativa de que Putin é um líder conservador, importante, e por isso deve ser considerado nessa relação com o Brasil. O campo bolsonarista está rachado”, avalia Casarões.

“Se tem alguém que pode e tem a perder efetivamente com essa hesitação frente à guerra é o Bolsonaro, porque não conseguiu firmar uma narrativa clara e eleitoral que justificasse a viagem à Rússia e as posições dele”, observa o especialista, em referência à visita de Bolsonaro a Putin uma semana antes do início da guerra.

Casarões também lembra que outro sintoma da saia-justa criada pelo presidente é o desencontro nas declarações e posições adotadas entre membros do alto escalão do governo.

“O próprio governo demonstra estar perdido. Bolsonaro fala uma coisa, Mourão diz outra. O Braga Netto [ministro da Defesa] fala uma coisa, Carlos França [ministro das Relações Exteriores] outra. Nessa disputa, o que se percebe é que o governo está com dificuldade muito grande de se posicionar claramente frente ao conflito”, nota.

Olhando por outro ângulo, Durazo-Herrmann percebe que a inclinação pró-Rússia de Bolsonaro também é uma afronta aos Estados Unidos sob a batuta do presidente Joe Biden, reforçando que “isso não teria sido feito com o [ex-presidente] Donald Trump”.

“A guerra no Leste Europeu é multidimensional, porque é diretamente entre Rússia e Ucrânia, mas também é uma guerra da Rússia com a Europa e Estados Unidos. Bolsonaro se colocando mais alinhado com a Rússia significa que está contra os EUA, que tem muito poder de intervenção na América Latina, eles não vão abrir mão disso”, enfatiza o cientista político.

“O problema é que não se trata de uma reflexão diplomática. Por isso vemos essa cacofonia no governo brasileiro, o presidente diz uma coisa, o vice diz outra, o Itamaraty diz uma terceira coisa.Não vejo que ele tenha espaço e capacidade estratégica de articular uma saída desse problema que ele mesmo criou. Ele não precisava ir para a Rússia e depois à Hungria”, acrescenta o especialista, lembrando também que no encontro com Putin, Bolsonaro chegou a declarar “solidariedade com a Rússia”.

Como ficam os demais presidenciáveis nesse cenário?

Para Casarões, os outros candidatos à presidência, tais como Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro (Podemos), Simone Tebet (MDB) e João Doria Jr. (PSDB), terão menos caminhos para obter vantagens ou ainda para se prejudicar devido à guerra. 

“A chamada “terceira via” se mexeu para pressionar o Bolsonaro a se posicionar de maneira mais assertiva em defesa da Ucrânia. Mas pessoalmente não vejo que isso vá gerar benefício eleitoral a esses candidatos”, observa o cientista político.

Durazo-Herrmann nota que tanto Ciro Gomes quanto Sérgio Moro vão seguir uma dinâmica parecida, de defesa da tradição diplomática brasileira. 

“Eles não têm problema com governos autoritários e certamente vão aproveitar essa possibilidade de retomar o discurso da tradição diplomática brasileira de promover a paz e a solução pacífica dos conflitos, ao mesmo tempo tentando atacar Bolsonaro e Lula por tenderem mais para o lado da Rússia na guerra”, pontua o especialista.

Política externa pode ser elemento novo nas eleições deste ano 

De acordo com Casarões, embora as relações internacionais tenham pouco efeito no resultado eleitoral, o cenário pode ser diferente nas eleições de 2022, tendo em vista tanto a guerra quanto a pandemia do coronavírus – que rendeu declarações desrespeitosas do presidente da República e seus filhos políticos contra o governo Chinês, além demissões de ministros devido à má repercussão de comentários xenofóbicos contra os chineses e ataques contra a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas (ONU).

“Temos os dois principais concorrentes à presidência [Bolsonaro e Lula] com um legado de política externa para defender. Isso acirra os posicionamentos. Bolsonaro foi o candidato que melhor explorou a polarização ideológica nas questões de política externa em 2018, quando usou elementos das relações internacionais do Lula contra a candidatura do PT, a questão da Venezuela e Cuba”, observa o especialista. 

“Teve também a aproximação com Israel em oposição à aproximação do PT com a Palestina, foi uma estratégia bem mobilizada pela campanha dele, ainda que de maneira superficial”, acrescenta.

Nessa perspectiva, Casarões ressalta que Lula tem mais vantagem do que Bolsonaro nesse campo. “No período do governo Lula, havia um prestígio internacional que o país desfrutava. Para o público em geral, há essa memória de respeito do mundo pelo Brasil. Então o Lula está mais tranquilo jogando nesse campo.” 

“Quando o Bolsonaro foi à reunião do G20 em novembro do ano passado, ficou muito evidente o contraste do isolamento. O que restou ao presidente na reunião foi conversar com os garçons, e não com os chefes de Estado presentes na reunião”, acrescenta. 

Analisando que um dos efeitos dessa imagem de isolamento, repercutida pela mídia nacional e internacional, foi justamente a negociação engendrada pelo ministro das Relações Exteriores Carlos França para a visita de Bolsonaro a Putin, Casarões reforça que a viagem não foi somente para tratar de fertilizantes, como tem justificado o Planalto e o Itamaraty.

“A questão naquele momento era mostrar ao eleitor bolsonarista e ao público geral que o Bolsonaro não está isolado e que tem o respeito de algum líder internacional. Depois que ele hostilizou o Emmanuel Macron [presidente da França], Angela Merkel [ex-presidente da Alemanha], Xi Jinping [presidente da China] e Joe Biden, quem sobrou para ele? Putin e Orbán [presidente da Hungria]”, conclui o cientista político. 

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Fonte: O tempo

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