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Rondônia, quarta, 09 de outubro de 2024.




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Bússola Poder: Homem invisível é síndrome nacional


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Por Márcio de Freitas 

Diz certa lenda que, diante da estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes em Brasília, a realização de certo ritual permite a quem o faz ganhar o dom da invisibilidade. O rito consiste em erguer rapidamente um braço dobrado com o punho fechado, contendo o movimento pela metade com a outra mão – essa ação provoca som seco e curto. Simultaneamente diz-se em alto e bom som: “aqui, ó!”. Repete-se três vezes, apontando a primeira ao prédio do Judiciário, outra ao Legislativo e, por fim, ao Executivo. 

Há quem acredite que a simples proximidade com o poder concede o mesmo manto da invisibilidade, sem necessidade do ritual. E daí vem a razão de vermos muitas operações da Polícia Federal encontrarem, sem grande esforço, malas de dinheiro ilegal – como foi o caso recente da Codevasf. Grandes valores são transitados e guardados como se ninguém percebesse, numa geddeliana sensação de impunidade cumulativa sem limites. 

Esse fenômeno não é recente, é quase tão longo como os santos do pau oco da época de ouro colonial – que serviam para sonegar os tributos ao Rei de Portugal sob proteção da imagem religiosa. Na Nova República já houve quem acertasse mais de 100 vezes na loteria esportiva, quando ela pagava bons prêmios. E achava que não era visto, nem notado… Mesmo quando filmado em comissão da Câmara dos Deputados não corava a cara. Ou não então o caso Lunus, as ambulâncias, compra de medicamentos, asfalto superfaturado, TRT de São Paulo… tudo feito sob o manto segredo, a exemplo da inspiração do atual Orçamento secreto da República, que normalizaram como se fosse impossível ver o que está acontecendo sob o anonimato da distribuição de dinheiro dos políticos, para políticos, pelos políticos. 

Há também quem fale pelos cotovelos, mas não se imagina pego em flagrante quando mente ou difama, calunia ou até propaga infâmias. Outros fazem intriga das boas, mas se surpreendem quando identificados. E justificam ter falado tão somente a meia dúzia de pessoas, uma dúzia de vezes, dezenas de dias seguidos, em muitos e diferentes lugares. Quando descobertos, revelam-se indignados com as maledicências da corte. 

O culpado pela quebra do feitiço, em geral, não é o mordomo. É a imprensa, essa reprodutora profissional de fofocas, dossiês, relatórios, investigações. É bom notar que alguns dos melhores momentos do jornalismo são movidos a intriga, fofoca, traições e interesses contrariados. 

No caso dos escândalos ainda invisíveis, algumas forças esperam tão somente o momento propício de jogá-los à luz – essa energia reveladora que tanto contribui à democracia, mas também movido por interesses revanchistas da política, essa força tão complexa da sociedade que vive às sombras. 

É bom lembrar que o segundo maior objetivo da mídia em relação ao poder é: construir mitos. Há a fase da descoberta, do elogio, da confirmação e, em certo momento, da exaltação. É quase escandalosa a postura de endeusamento de certas figuras. Mas como a solidez das nuvens no céu, é tudo apenas aparente. E isso tem uma razão maior. 

O principal objetivo da mídia em relação ao poder é destruir mitos que ela própria constrói. É um trabalho de Sísifo, o sujeito da mitologia grega condenado a rolar eternamente uma pedra montanha acima, e quando lá ele chega, rola a pedra montanha abaixo pelo outro lado… Só que a imprensa faz isso com gosto, imenso prazer em provocar a queda das alturas de mitos e deuses ao chão. 

É por isso que juízes e procuradores não entenderam até hoje o que aconteceu recentemente com seus casos desmontados publicamente na rotina diária de jornalistas. Todo dia se empurra um noticiário morro acima, para recomeçar no dia seguinte. E é preciso começar de algum ponto, até mesmo daquele que não se enxerga muito bem, e a tarefa é tocada de qualquer forma. 

O homem invisível que caminha de Brasília aos rincões do Brasil vai deixando rastros, pegadas, depósitos bancários e malas de dinheiro que não desmancham no ar, nem somem nas cuecas ou nas meias de cheiro duvidoso. São suficientes os indícios para revelar grandes problemas futuros, numa sensação de que o país caminha, caminha e não sai do lugar… afinal, ninguém achava que descobririam que o santo era oco, ou que, novamente hoje, estão vendo o que certas figuras fazem à luz do orçamento – seja ele secreto ou não… Algo já apareceu no noticiário, mas esperem que ainda há muito a ser contado por alguns ainda invisíveis. E há muita gente querendo que esses episódios tenham seu feitiço quebrado, justamente para mandar alguns adversários uma boa saudação: “aqui, ó!” 

*Márcio de Freitas é Analista Político da FSB Comunicação 

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Fonte: Exame

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