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Rondônia, terça, 25 de junho de 2024.




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Amor, mordidas e até fuga com cavalo: macacos protagonizam ‘romance’ em tentativa de salvar espécie


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Como acrobatas a dez metros do chão, Nena e Eliot compartilham folhas de cedro, um banquete para veganos como eles. Mas a jovem casadoira e o adolescente cheio de curiosidade são mais do que bons amigos. Eles materializam esperança para sua espécie, o muriqui-do-norte, o maior macaco do Brasil; e para o bioma da qual ela é um símbolo, a Mata Atlântica.

São protagonistas de uma história de refugiados ambientais, desenrolada em Conceição de Ibitipoca, em Lima Duarte, Minas Gerais. E será preciso muito amor, compaixão e ciência para que o final seja feliz.

Nena e Eliot integram um inédito grupo de indivíduos resgatados, que não tinham para onde ir e agora vivem numa mata transformada em cativeiro sem grades.

Ibitipoca um dia foi povoada por muriquis, bailarinos dos ares, semeadores de floresta, que chegam a um metro de altura. Hoje se esforça para recuperá-los. Chamados de macacos-hippies por sua índole pacífica e poliamor silvestre, eles desaparecem com as árvores onde vivem. Restam menos de mil muriquis-do-norte no Brasil, em Minas, Espírito Santo e sul da Bahia.

Como os seres humanos, eles são animais sociais. Mas as matas foram tão destruídas e os muriquis tão caçados, que os sobreviventes ficaram isolados, fadados a morrer de fome na solidão. Para eles, que são arborícolas, pastagens e plantações, que separam os fragmentos de floresta, constituem obstáculos intransponíveis.

Luna, um dos machos de Ibitipoca, de tanto isolamento, sequer sabe fazer sexo. Passou a maior parte de seus 27 anos na mata da qual leva o nome apenas na companhia do irmão Bertolino, de quase 40 anos.

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A fugitiva e o cavalo

Na sociedade dos muriquis, são as fêmeas que se aventuram em busca de parceiros e bandos. Os machos passam a vida onde nasceram e aprendem tudo, inclusive sexo.

— Luna precisa aprender até mesmo o que é ser muriqui — afirma o primatologista Fabiano Melo, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e um coordenadores do Projeto Casa dos Muriquis, que formou o bando, numa iniciativa pioneira para conservar, reproduzir e devolver uma espécie ameaçada à natureza.

A primeira tentativa de formar um grupo aconteceu em 2017, antes da criação da Casa dos Muriquis. Foi experimentada com o envio da macaca Esmeralda para a Mata do Luna, em Santa Rita do Ibitipoca. Os irmãos ficaram fascinados. Mas Esmeralda os desprezou. E foi embora.

Esmeralda foi vista pela última vez na companhia de um cavalo, animais pelos quais as macacas aventureiras são atraídas porque seu relincho é muito semelhante à voz dos muriquis. O cavalo foi só desilusão. Nunca mais se soube dela. Os pesquisadores acreditam que ela morreu sozinha e faminta.

E os irmãos voltaram a ficar sós. Para Luna faltou o aprendizado que Bertolino teve porque cresceu quando ainda havia fêmeas em sua matinha, salienta a primatologista Fernanda Tabacow, também coordenadora do projeto.

— Ele não tinha como ver outros copulando para aprender. O Luna não tem habilidade para copular. Ele até consegue ejacular, mas não acerta o alvo… Nosso desafio é ensinar para ele. Mas como? — diz Tabacow.

Ela, Melo e os demais cientistas do Muriqui Instituto de Biodiversidade não desistiram, e a Casa dos Muriquis surgiu em 2019 graças ao apoio do Ibiti Projeto, que combina turismo, restauração e conservação numa área de 6 mil hectares e financia o trabalho. Participam ainda a UFV, a Universidade de Wisconsin-Madison, ongs internacionais e o ICMBio.

A casa propriamente dita é uma floresta de 1,5 hectare (um campo e meio de futebol) rodeada por uma cerca elétrica de baixa voltagem, que não machuca, só assusta, suficiente apenas para que os animais não escapem e predadores não entrem.

A meta é que este bando se estabeleça e outro seja formado para que ambos sejam libertados nas florestas da região, contígua ao Parque Estadual do Ibitipoca.

A maior conquista até agora é Eliot, que fará 3 anos em 3 de novembro, o primeiro filhote nascido num projeto de manejo.

Mas a primeira a chegar à casa, em março de 2019, foi a mãe de Eliot, Ecológica, hoje com 13 anos. Foi resgatada numa mata chamada Sossego, também em Minas, mas que é tudo menos tranquila. A ela, em maio, se juntou Bertolino. E o destino finalmente sorriu para o solteirão, que procriou e gerou Eliot.

Luna, mais difícil de capturar, chegou em agosto. Ao se reencontrar com o irmão, o traumatizado macaco correu para abraçar Bertolino.

— Eles ficaram duas e horas e meia abraçados. Ficamos muito, muito emocionados — conta Melo. E também animados.

— Assim que soltamos os três na matinha, a Ecológica ficou grávida porque os bichos reaprenderam a ser muriquis — acrescenta.

Isso valeu para Bertolino e Ecológica. Luna parece continuar confuso.

Ao trio se juntou no mesmo ano Socorro, uma fêmea de 24 anos não tão desiludida quanto Luna, mas ainda assim, arredia. Com esses companheiros de emoções abaladas, Ecológica logo tomou a liderança e passou a se comportar como a dona da mata toda.

— Isso é diferente das relações igualitárias dos muriquis na natureza. Normalmente, uma fêmea não seria líder. Mas, num grupo de indivíduos que estavam em situação crítica, ela tem esse comportamento. É o que aconteceu com o Luna também, no sentido oposto — explica Tabacow.

Nena, agora 8,5 anos, foi incorporada ao grupo em novembro de 2020, quando Eliot nasceu. E a eles se juntaram dois órfãos, Odin e Morpheu. Hoje, respectivamente, com 5 anos e 2 anos, eles foram resgatados pelo Projeto Muriqui de Caratinga, coordenado por Karen Strier, pioneira na espécie.

Morpheu caiu de um galho horas após nascer. Sua mãe era inexperiente e ele morreria sem assistência. Já Odin foi encontrado quando tinha cerca de 3 anos à beira da morte de tão fraco e desidratado.

Normalmente, cientistas deixam a natureza seguir seu curso e os dois filhotes morreriam. Mas como sua espécie está ameaçada, lhes foi dada uma chance. Os órfãos estão num recinto cercado de floresta, mas ainda separados do bando porque são machos e precisam ser aceitos por eles. O que não é trivial, já que os machos do bando são os que nascem lá. Caso dos irmãos e de Eliot.

Nena, plena e desinibida, demonstra o espírito de aventura de Esmeralda. Está na idade em que uma muriqui deveria desfrutar de uma movimentada vida sexual, cheia de parceiros e pronta para ser mãe de filhos de vários pais. Mas lhe faltam machos.

Eliot mal saiu da infância e ainda levará pelo menos três anos para que possa pensar em aventuras sexuais. O velho Bertolino tem vontade, mas carece de condições. E Luna continua em sua trajetória, sem foco e sucesso.

Força divina

Sobrou para Odin a missão. Batizado com o nome do principal deus da mitologia nórdica, ele precisará de força divina para ser aceito por Ecológica, que até agora tudo o que lhe deu foram muitas mordidas. A líder não se deixou seduzir por seu charme — e inexperiência — da juventude.

Socorro o desprezou de tal forma que não lhe concedeu nem mesmo a atenção de uma mordida. Mas Nena não tentou fazer picadinho de Odin. Deu-lhe só uma dentadinha sem consequências.

Em breve, haverá nova tentativa. É a chance de Odin deixar o recinto, constituir família e dar um sopro literal de vida para a espécie.

Fernanda Tabacow está otimista:

— Nena e Eliot formam um elo que pode ser a credencial para Odin entrar no grupo.

Nena gosta de Eliot que gosta de Odin. Os dois machos mais velhos já o aceitaram. Socorro o ignora. O obstáculo à frente das ambições amorosas do macaquinho de inspiração nórdica se chama Ecológica. Mas, espera Tabacow, ela vai acabar aceitando. E os muriquis terão finalmente encontrado a felicidade.

A aceitação de Odin será um marco, mas não o fim da história. Melo frisa que a ambição é formar dois grupos sociais e reprodutivos, para que possam soltá-los e evitar que a espécie se extinga em Ibitipoca.

— Se não houver dois grupos na mesma área, as fêmeas, ao atingir a idade reprodutiva, se perdem, como a Esmeralda. Poderei morrer feliz de verdade quando os muriquis voltarem a saltar livres pelas matas de Ibitipoca — frisa ele.

Fonte: Exame

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